Ontem (9) começou a FLIPOP, o Festival de Literatura POP. Por conta da pandemia, este ano o evento está acontecendo online pelo canal da editora Seguinte no YouTube. No primeiro dia do evento rolaram quatro mesas: a primeira trouxe o debate “Criatividade em tempos de crise” e contou com a participação dos autores Otávio Júnior (“Da minha janela” e “O chefão lá do morro”), Vitor Martins (“Um milhão de finais felizes” e “Quinze dias”), Giulia Paim (“Boston Boys” e “Boston Boys 2: Descendo do palco”) e a mediação de Felipe Castilho (“Serpentário”).
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A conversa girou em torno das condições de escrita e produção criativa durante este período de isolamento social. Os participantes compartilharam experiências e anseios no que diz respeito as suas condições de criação. Trouxeram para o público que estava assistindo um certo acolhimento, pois expressaram a tensão em cima da necessidade de ser produtivo dizendo em um consenso sobre o quanto está tudo bem não conseguir produzir constantemente ou na mesma proporção de antes. Os autores também comentaram um pouco sobre suas obras a e destacaram como a arte, em todas as suas formas, têm sido de suma importância para lidar com toda esta situação de crise atual.
Com diferentes vivências, eles debateram sobre as dificuldades e incertezas de ser autor no Brasil. Destacaram sobre a necessidade de grandes investimentos financeiros, emocionais e físicos e em como ainda é muito complicado o acesso da população em um geral a literatura. Neste contexto, Otávio Júnior trouxe suas implicações sobre as formas de divulgação e de alcance do meio literário para a população.
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A segunda mesa veio com o tema “Mediação de leitura dentro e fora da escola” com o Professor Doutor João Luís Ceccantini, a Professora Patrícia Kanno, o ator e escritor Tiago Valente, com a mediação da Jornalista e Professora Tatiany Leite. A discussão trouxe para o público questões extremamente pertinentes na área da literatura e educação. Os convidados conversaram sobre as questões da leitura compulsória, por exemplo, em como as escolas e as provas de vestibulares forçam as crianças e os adolescentes a lerem muitas vezes sem nem tentar despertar um interesse mais profundo antes. Isso trouxe uma crítica muito forte a forma de sempre tratar a leitura como uma obrigação, sem nem ter a chance de uma leitura recreativa na vida principalmente dos adolescentes.
Em uma mesa bem mediada, em contraste com a formalidade dos professores, Tiago abordou sobre o seu conteúdo literário no aplicativo de vídeo TikTok. O escritor explicou seus motivos para ter começado a tratar sobre este assunto e reforçou que sua ideia é a de aproximação dos jovens com a literatura. O foco da mesa foi tratar a literatura como uma arte que pode ser muito bem aproveitada de maneira leve e recreativa, e é preciso de fato ainda criar estratégias que cativem os jovens a se envolverem com a leitura.
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A terceira mesa trouxe um tema importantíssimo para a comunidade LGBTQIA+ como um todo e teve a nomeação “Uma linguagem para todes”. Composta inteiramente por representantes da bandeira, a conversa foi extremamente enriquecedora. Hailey Kaas, Tradutora e Escritora transfeminista, Koda Gabriel formade em Ciência da Computação e Escritore, não-binárie e bissexual, Pri Bertucci que é trans, queer, CEO da Diversity BBOX, além de ser Educadore sobre diversidade e equidad. Eles participaram da conversa com a mediação de Naná Deluca que é Jornalista, Escritor e Educador Popular.
O foco das conversas foi de fato a problemática em cima da construção linguística que é binária, machista e exclui sistematicamente as pessoas não-binárias. Participantes trouxeram algumas inquietações como as relações que se dão com a nossa linguagem. Questões de não identificação e sensação de não pertencimento são ainda extremamente pertinentes nesta discussão. Quando se generaliza sempre no masculino, ou quando se usa o feminino e o masculino de forma a tentar uma comunicação mais inclusiva, ainda assim existe uma falha. As pessoas não são só homens e mulheres é preciso sempre lembrar disso em todos os ambientes, desde uma sala de aula ou de reunião a uma conversa descontraída.
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Além disso, um importante ponto que foi retratado na conversa foi sobre como instruir de certa forma as pessoas sobre esta questão linguística. Quase que em um acordo comum participantes tiveram como opinião a educação. Como Hailey citou: existem muitos militantes cansados porque, de fato, as pessoas às vezes nos deixam exaustos de ter que explicar a mesma coisa várias vezes, mas de certa forma a ajuda na instrução hoje ainda é o melhor recurso.
Durante o debate surgiu a necessidade de comentar sobre inclusões básicas. É óbvio que a educação como parte do processo de desconstrução é fundamental, mas ainda existem erros básicos. Koda trouxe a discussão sobre ainda ser necessário brigar pela opção de ter o nome social quando é preciso preencher fichas em algumas instituições. Com esta mesa deu para perceber o quanto ainda temos a evoluir a respeito disso. Às vezes são necessárias simples ações como a introdução da opção do nome social e a dissociação de gênero como uma coisa binária, mas fazem total diferença em relação a sensação de acolhimento e pertencimento.
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A quarta e última mesa do primeiro dia de evento trouxe uma participante muito especial para um bate-papo: a Casey McQuiston que é autora do livro “Vermelho, branco e sangue azul”. Em uma conversa descontraída com Clara Alves (“Conectadas”), a norte-americana se divertiu respondendo perguntas sobre seu livro. Os fãs interagiram bastante nos comentários durante a live e trouxeram suas inquietações sobre a história. As perguntas, em sua maioria, giravam em torno da vida dos personagens, como representatividade queer em um momento de luta muito forte nos Estados Unidos e no Brasil em relação a este assunto.
Casey fez breves comentário sobre seus momentos de escrita. Contou o quanto necessitava de ver histórias em que a comunidade queer pudesse se encaixar. Ela, como uma pessoa que se identifica como queer, disse que sempre teve a necessidade de se sentir pertencente em algum lugar, fosse na TV ou nos livros, e simplesmente foi e se tornou sua própria heroína escrevendo este romance que contempla de certa forma a comunidade.
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A autora ficou feliz com os comentários que recebeu sobre aceitação. Para ela, ter seu livro como best-seller LGBTQIA+, é uma vitória para a comunidade inteira, visto que a representatividade ainda é muito necessária no meio literário. E esta representatividade ainda precisa crescer em meio aos personagens, mas também em meio as autorias dos livros. É de suma importância que autores LGBTQIA+ conquistem cada vez mais espaço com suas histórias e contos.
Ela comentou também sobre a relação política envolvida na temática do livro. De certa forma, mesmo que na época em que ele foi publicado as tensões políticas nos Estados Unidos não tivessem tão grande, hoje ele significa uma certa provocação ao governo e a uma sociedade homofóbica. Para finalizar a live, Casey falou um pouco sobre seu próximo livro. Contou que ele será bem rico em representatividade queer e com um enredo bem inusitado.
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E assim terminou o primeiro dia de evento. Com bastante representatividade e luta por espaços, a FLIPOP promete um fim de semana bastante empolgante.