É fato que existe pouca representatividade de mulheres lésbicas na televisão, e quando se fala em representatividade na TV contamos com personagens que fujam do esteriótipo e sexualização. Felizmente, “One Day at a Time” consegue refletir muito bem o que é ser uma adolescente lésbica nos dias atuais.
[Este texto contém spoilers]
A sitcom criada em 2017 pela Netflix é uma versão moderna da comédia dos anos 1970, que conta a história de uma família cubana, composta por Penelope (Justina Machado), uma mãe solteira, veterana e enfermeira que mora com os dois filhos adolescentes, Alex (Marcel Ruiz) e Elena Alvarez (Isabella Gomez), a mãe Lydia (Rita Moreno), carinhosamente chamada de abuelita.
A narrativa começa com os acontecimentos que precedem o aniversário de Elena, a tradicional festa latina quinceañera, que comemora a “passagem de menina para mulher”. A jovem prontamente se recusa a comemorar, já que segundo a mesma, é uma tradição patriarcal e misógina. Essa rejeição à comemoração já demonstra como a garota é fiel aos seus ideais e princípios.
A personagem de Gomez se espelha em mulheres como Frida Khalo e Buffy – da série “Buffy- A Caça Vampiros”, de Joss Whedon. Ela enxerga essas personagens como um símbolo de força contra uma sociedade dominada por homens. A adolescente latino-americana é feminista, escritora e ativista em causas sociais que vão desde protestar pela proteção do meio ambiente até lutar pela falta de representatividade de gêneros.
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Por ter um olhar tão crítico da sociedade, os pensamentos batem de frente com os da mãe e principalmente com os da abuelita. É interessante perceber como Elena está o tempo todo em conflito com as ideias ultrapassadas da família. Esse constante conflito faz com que ela se sinta incompreendida pelos parentes e até mesmo adolescentes da mesma idade, o que reflete nas relações sociais, já que a menina possui apenas uma melhor amiga, que inclusive se mudou por questões de imigração.
A personagem de Gomez não se considera uma garota “feminina’’ já que ela não se sente confortável usando vestidos e maquiagem. Mas nem por isso a personagem se torna o estereótipo de que feminista e feminina não combinam, ademais levanta a discussão de que tudo bem mulheres usarem maquiagem, como também trocar vestidos de debutante por terninhos, trajes considerados pela sociedade como tipicamente masculinos.
Elena e a “saída do armário’’
Apesar de ter certeza dos ideias, durante a primeira temporada Elena se sente muito confusa em relação a sua sexualidade, o que em primeiro momento a faz desconfiar que possa ser bissexual, mas quando ela beija um rapaz pela primeira vez, se dá conta de que gosta apenas de garotas.
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Quando ela se assume para a mãe, Penelope aceita e promete dar todo o amor e apoio a filha. É interessante observar a dualidade de sentimentos que a mãe passa, pois ao mesmo tempo que ela quer apoiar a menina, ela se sente estranha e desconfortável, já que acaba com as expectativas que ela tinha para o futuro da jovem. Felizmente, este sentimento de desconforto dura pouco tempo, porque a progenitora percebe que o amor de mãe é maior do que qualquer idealização que ela havia feito, o que faz com que essa relação de aceitação entre mãe e filha reflita a realidade de muitas famílias, em que os pais, na maioria das vezes, só precisam de um momento para assimilar tudo.
Já a reação da personagem de Moreno sobre a sexualidade da neta é um tanto inusitada, pois Lydia é de outra geração, e por consequência é de se esperar que a avó seja resistente à aceitação, mas é interessante como a mesma resolve essas questões ao colocar o amor pela menina acima da religião.
Entretanto a Victor (James Martinez), o pai de Elena, coube o papel de expressar a rejeição à própria filha. Por ter sido ausente, ele perdeu toda a fase da mudança de criança para adolescente, inclusive culpando Penelope por apoiar a sexualidade da adolescente, já que na percepção dele, a garota está apenas passando por uma fase. Como resultado desta reação negativa, o personagem de Martinez não dança a valsa com Alvarez. Neste momento de “One Day at a Time”, ao mesmo tempo que é rompida a relação pai e filha, a outra parte da família se fortalece para dar todo apoio a menina.
Elena e os relacionamentos
Já na segunda temporada, começa a ser abordado as relações interpessoais da personagem de Gomez. Ela passa a interagir com o grupo de adolescentes também ativistas, os membros são considerados como não-binários, assim se comunicando por pronomes. É importante ressaltar que o cômico desse plot não é o fato deles serem não-binários e sim pelos adultos não conseguirem compreender e se comunicar com os mesmos.
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E é neste meio de amigos que Elena conhece Syd (Sheridan Pierce), uma garota nerd que atende pelos pronomes “eles/elas’’. Apesar da jovem (Elena) ter bastante dificuldade de se relacionar, a família ajuda a garota a expressar os sentimentos pela personagem de Pierce. Inclusive é muito fofa a cena em que Elena se fantasia de Doctor Who e a Syd de Tardis para irem a Comic-Con.
Além dos relacionamentos amorosos, a questão com o pai volta à tona na segunda temporada. Victor retorna e é a jovem latino-americana quem vai atrás do mesmo para contar sobre os sentimentos de rejeição e abandono. Esta cena em especial, é cheia de emoção e mostra de forma crua a realidade dos pais que não aceitam a sexualidade dos filhos.
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É pertinente falar que Elena Alvarez é baseada na filha do produtor executivo da série, Mike Royce (“Everybody Loves Raymond”). Assim “One Day at a Time” mostra que sim, é possível fazer uma comédia de qualidade, que aborda sobre assuntos atuais com representação da realidade de muitas famílias na sociedade atual.