Eu quero começar este Pro Mundo com uma frase do livro “Os Sete Maridos de Evelyn Hugo” dita pela própria Evelyn: “Acho que ser quem a gente é — de verdade, e por inteiro — sempre vai exigir nadar contra a corrente.”
No auge dos anos 1950, Celia St. James é uma jovem recém saída de uma família rica e privilegiada pra tentar a sorte como atriz em Hollywood. Com todos os “atributos” para dar certo na carreira escolhida – e assim o faz, Celia nos mostra como é extremamente difícil ser uma mulher que ama outra mulher, em qualquer época da humanidade.
O debate em torno da sexualidade de Celia quase passa despercebido por causa do seu relacionamento com Evelyn, mas é importante destacarmos o quanto foi maçante para Celia ser quem ela era, no contexto histórico em que vivia. Muitas pessoas a julgam como “bifóbica”, mas o que a maioria esquece é que ela era uma mulher, nos anos 1950, enfiada em uma indústria altamente preconceituosa que fazia as pessoas duvidarem de si mesmas. A grande questão aqui é que Celia também estava no barco da sua autodescoberta, e como a grande maioria de nós, ela tropeçou nos obstáculos dessa jornada.
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O mais interessante em Celia, apesar de ser uma personagem fictícia, é que ela tem o poder de fazer a pessoa que estar lendo o livro sentir tudo o que ela sente nos momentos em que ela se impõe. Taylor Jenkins Reid tem esse poder de fazer a gente viajar exatamente para os momentos mais emocionantes dentro das histórias dela. É a patroa, né?
Fica claro para os leitores, desde o comecinho do livro, que o amor da vida de Evelyn foi Celia. E esconder esse relacionamento foi um desafio para ambas, porque estar em Hollywood envolvia ter que promover ideais do amor heterossexual, lindo, limpo e feliz. E ambas, vistas como objeto de desejo, jamais poderiam se mostrar dessa forma. Destaco aqui uma frase de Evelyn sobre sua bissexualidade:
“Ser bissexual não significa ser infiel […] Uma coisa não tem nada a ver com a outra.”
O mais interessante na construção de Celia é que ela foi escrita para incomodar. Mas não no sentido ruim da palavra. É intrigante a forma como Taylor Jenkins Reid consegue trazer discussões tão fortes e importantes sobre a comunidade LGBTQIA+, mesmo não sendo esse o foco principal do livro. A percepção que nós leitores temos é que o armário, nessa época, era mais do que uma forma de se proteger. Levando em conta que na década de 1950 era, literalmente, crime ser homossexual. O que, infelizmente, ainda é válido em alguns países do mundo. Isso nos mostra que “estar no armário”, muitas vezes, é a única saída que as pessoas encontram para viver em “paz”. O que é algo que toca profundo em quem já passou ou passa por uma situação parecida.
Algo a se apreciar na escrita da Taylor Jenkins Reid é que mesmo quando os personagens são feitos para serem amados, a gente pode odiar eles na mesma intensidade. “Os Sete Maridos de Evelyn Hugo” é justamente isso, afinal, mesmo quando temos personagens favoritos, em algum momento teremos raiva deles ao ponto de querer parar de ler e jogar o livro na parede (brincadeira!). Lembrando que a gente pode sempre – e devemos –, criticar produções que trazem duas mulheres como personagens principais. E mesmo que esta obra não seja sobre isso, em algum momento ele acaba sendo. E aí é o nosso ponto de partida e redenção.
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Aproveito para destar aqui a escolha da autora de citar os sentimentos de esperança que a Revolta de Stonewall evocou nos personagens e como foi feita a decisão deles de apoiar aquele momento a partir do dinheiro, e não com uma saída pública do armário, foi muito certeira, especialmente para mostrar o pragmatismo envolvido.
Com um enredo poderoso de autoaceitação e um arco de redenção que faz a gente gastar todo um pacote de lencinhos, Celia St. James não só foi uma das atrizes mais queridinhas da América dos anos 1950 em diante (e ganhadora de Oscars), como é também uma das personagens femininas mais atrevidas e instigantes dos últimos anos. Taylor Jenkins Reid conseguiu reunir em uma única personagem tudo o que o público LGBTQIA+ aclama. Celia era o amor da vida de Evelyn Hugo, e se tornou uma referência de coragem e determinação para outras milhares de jovens e adultas ao redor do mundo.
E é sempre importante lembrar: Celia pode ter conseguido tudo o que queria e ter chegado ao topo de sua carreira, mas ela sempre soube, e teve a certeza, do que era preciso esconder para viver a vida que ela sonhou. Isso também teve um preço. Sempre tem. Mas, como aqui gosto sempre de enaltecer os finais felizes, nosso casal favorito teve um “final quase todo feliz”. Celia e Evelyn ainda conseguiram alguns anos longe dos holofotes e viveram tudo o que abdicaram durante muitos anos de suas vidas: o amor.
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Mesmo em 2022, “Os Sete Maridos de Evelyn Hugo” ainda continua no topo das paradas de vendas (também não é para menos!) e, o melhor de tudo, nos proporcionando discussões importantes, não só sobre a jornada de descoberta e aceitação como outros assuntos pertinentes.
Com a promessa de uma adaptação com roteiro sendo cuidado pela própria Taylor Jenkins, “Os Sete Maridos de Evelyn Hugo” é uma das produções mais esperadas desde 2020. Ainda sem data de lançamento ou escolha de casting original, o que nos resta é esperar e torcer muito para termos uma série que nos faça chorar, rir e sentir raiva dos personagens (especialmente dos maridos de Evelyn, menos o Henry!) como foi com o livro.