Criada por Sally Wainwright, “Gentleman Jack” é uma produção conjunta entre BBC e HBO. Situada em 1832 e protagonizada por Suranne Jones, a série é baseada nos diários coletados de Anne Lister.
A figura de Anne é tão imponente que ela consegue ser centro das atenções mesmo não estando presente fisicamente, e isso se torna evidente nos primeiros minutos da produção. Conhecida como a primeira lésbica moderna, Lister desafiava as convenções de gênero de sua época. Por ser mulher, esperava-se dela um comportamento submisso, no entanto, ela não abaixava sua cabeça para ninguém, muito menos para os homens.
Ao longo da série, vemos a protagonista enfrentando qualquer tipo de homem que a contrarie. Inclusive, quando decide entrar para o negócio desagradável do carvão, a personagem de Suranne, confronta os poderosos irmãos Rawson. Mesmo quando os acordos e as fofocas se tornam socos e arranhões, Lister não se deixa intimidar. Pelo contrário, isso se torna combustível para afrontá-los.
Apesar das críticas a seu modo de vida e a maneira “masculina” em se comportar, Anne Lister é respeitada. Talvez o que tenha permitido-a viver a vida que escolheu tenha sido resultado do seu status social. Herdeira das terras de Shibden Hall, ela era independente financeiramente e possuía recursos para financiar seu estilo de vida e suas viagens pela Europa.
A série apresenta com excelência quem Anne Lister era. Altiva, vivaz, inteligente e carismática, era uma pessoa a frente do seu tempo. Mulher de negócios e apaixonada pela ciência, ela almejava encontrar nas mulheres que passaram pela sua vida alguém para compartilhar suas experiências. Em seus diários, Anne narra suas viagens, conquistas, aflições e seus romances, inclusive sua afeição por Ann Walker (Sophie Rundle) está presente em várias páginas de seus cadernos.
No primeiro encontro entre as personagens de Suranne e Sophie, a protagonista percebe certo interesse por parte de Ann Walker, e decide usar a moça para curar seu coração partido. Apesar de a princípio a aproximação ter más intenções, Anne se vê profundamente apaixonada pela doce e frágil Ann. Lister, inclusive, confidencia a sua tia o interesse de viver com a amante, desejo esse que se concretiza no final da temporada.
É extremamente interessante assistir a relação entre as personagens se desenvolvendo. Lados opostos da mesma moeda, elas se complementam, Ann torna-se confiante graças a a protagonista e esta se permite ser vulnerável na presença de Walker. Apesar da família dela (Walker) e a sua homofobia internalizada serem empecilhos para viverem juntas, Anne e Ann nos proporcionam momentos cheios de ternura e amor.
Além da sua relação com Ann Walker, a série explora as relações de Anne com sua família. Apesar de demonstrar um certo desprezo, a verdade é que a senhora de Shibden Hall tem profunda afeição por seus familiares, principalmente por sua tia. A doce senhorinha que, ao invés de julgá-la por seu estilo de vida, sempre fica entusiasmada com as aventuras da sobrinha. Inclusive, ela e os demais familiares desejam apenas que a protagonista seja feliz.
Um dos aspectos mais interessantes da série é a quebra da quarta parede. Esse recurso permite que o telespectador mergulhe na história, fazendo com que se sinta dentro dos famosos diários de Anne Lister. A utilização desse recurso é interessante já permite compartilhar sentimentos e segredos com a personagem de Suranne Jones.
A produção impecável, a historia de amor entre Walker e Lister, e a atuação brilhante de Jones são motivos suficientes para começar a assistir “Gentleman Jack”.
A primeira temporada de “Gentleman Jack” pode ser assistida completa pela HBO GO. A segunda temporada já está confirmada e deve estrear em 2021.
“Por Trás da Inocência” é um filme de 2021 que conta a história de Mary Morrison (Kristin Davis), uma famosa escritora de suspense, se preparando para embarcar em uma nova obra, a autora decide contratar uma babá para ajudar nos cuidados com as crianças.
No entanto, a trama sinistra do livro começa a se misturar com a realidade. Mary seria vítima de uma perigosa intrusa, ou estaria imaginando as ameaças? Conforme o livro da escritora se desenvolve, a vida dos familiares é colocada em risco.
Quando assistimos a candidata a babá Grace (Greer Grammer) entrar pela porta, ela faz uma cara de psicopata à câmera. Clássico. E em uma de suas primeiras frases, a garota comportada até demais afirma: “Eu sou um pouco obsessiva”. E é neste momento que já conseguimos pensar no que vem pela frente.
O que mais incomoda nessa personagem é que ela foi fetichizada desde o início de “Por Trás da Inocência”. Ela parece ser constantemente usada para justificar a “nova” atração de Mary por mulheres, que até então nunca tinha acontecido. É como se Mary tivesse sido privada de todos os seus desejos e somente com a chegada dela tudo emergisse.
A diretora e roteirista Anna Elizabeth James tem a mão leve para a condução das cenas. Talvez ela tema que suas simbologias não sejam claras o bastante, ou duvide da capacidade de compreensão do espectador. De qualquer modo, ressalta suas intenções ao limite do absurdo: o erotismo entre as duas mulheres se confirma por uma sucessão vertiginosa de fusões, sobreposições, câmeras lentas e imagens deslizando por todos os lados, sem saber onde parar.
A escritora bebe uísque e fuma charutos o dia inteiro (é preciso colocar um objeto fálico na boca, claro), enquanto a funcionária mostra os seios, segura facas de maneira sensual e acidentalmente entra no quarto da patroa sem bater na porta. “Por trás da inocência” se torna um herdeiro direto da estética soft porn da televisão aberta por suas simplicidades e exageros. Ou seja, típico filme feito para agradar homens.
Este é o clássico filme sáfico que poderia ser muito bom, mas foi apenas mediano. Infelizmente, o longa só nos mostra mais uma vez o quanto ainda temos um longo caminho pela frente nessa indústria.
Fala LesBiCats, o LesB Cast está de volta com um novo episódio. Desta vez, vamos conversar sobre a série do Prime Video“The Wilds”, que retorna dia 6 de maio, o desenvolvimento das personagens ao longo da primeira temporada e PRINCIPALMENTE, o que esperamos do segundo ano da produção. Estão preparadas para nossas teorias?
Nesta edição contamos com a presença da nossa apresentadora Grasielly Sousa, nossa editora-chefe Karolen Passos, nossa diretora de arte Bruna Fentanes e nossa colaboradora França Louise. E aí, vamos conversar sobre “The Wilds”?
Se você gostar do nosso podcast, quiser fazer uma pergunta ou sugerir uma pauta, envie-nos uma DM em nossas redes sociais ou um e-mail para podcast@lesbout.com.br 😉
Com a evolução de se ter a cultura sáfica (sáfica aqui carrega o sentido de mulheres que se relacionam com outras mulheres) sendo representada em produções artísticas e na mídia como livros, filmes e séries, se observarmos bem, nesses espaços o tema, na maioria das vezes, vem sendo abordado com a descoberta da sexualidade durante a adolescência. E sim, é importante ter essas produções voltadas para a identificação do público juvenil, entretanto, também se faz importante discutir sobre as possibilidades dessa descoberta em outras fases da vida, esse texto tem a intenção de refletir sobre isso.
Diante das outras possibilidades da descoberta, podemos usar como exemplo o recente casal Gabilana (Gabriela e Ilana) que vem sendo bastante falado; as personagens são interpretadas por Natália Lage e Mariana Lima na novela “Um Lugar ao Sol”, da Rede Globo. Casal esse que conseguiu ficar junto na trama só depois de 20 anos após se conhecerem, depois dos desencontros da vida. Durante o desenvolvimento da história das duas podemos perceber como elas lidaram com a heterossexualidade compulsória, o medo do julgamento e de se permitirem vivenciar quem são de verdade.
Devemos considerar também que, para além de toda a invisibilidade percebida na mídia, o nosso dia a dia também faz parte desse processo de reconhecimento. Estamos atentas para conhecermos e conversarmos com mulheres que vivem essa realidade depois de certa idade, sendo esta uma idade que a sociedade julga como “errada” para descobrir a sua sexualidade. Portanto, o que essas mulheres sentem depois que percebem que estão nessa situação?
A experiência de mulheres que passam por essa descoberta “tardia” não envolve só a descoberta em si, mas devemos olhar também para outras complexidades que vêm com isso, como o sentimento de invalidação da sua sexualidade, além do possível sofrimento causado depois de anos experienciando o que as impedem de viver plenamente o que sentem.
A representação da mídia traz aqui um papel importante, já que provavelmente mulheres dessas vivências passam pelo questionamento “não existem pessoas como eu?” e indagações semelhantes. A sensação de reconhecimento, além da troca com outras mulheres que passam pelo mesmo, pode importar e fazer a diferença na vida de quem é atravessada por essas questões.