O mês do orgulho LGBTQIA+ começou e como por aqui estamos em ritmo de comemoração, o longa-metragem “Orgulho e Esperança” abre nossa festa colorida aqui no site.
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O preconceito contra homossexuais ainda é latente na nossa sociedade, mas se compararmos com décadas atrás, percebemos que muita coisa melhorou e ainda há de melhorar. “Orgulho e Esperança”, do diretor Matthew Warchus (“Three Kings”), se baseia numa história real para mostrar mais um importante acontecimento nessa luta histórica por direitos iguais. Estamos na Inglaterra, no verão de 1984. Enquanto Margaret Thatcher comanda o país com pulso firme, os membros da União Nacional de Mineiros entram em greve por melhores condições de trabalho para sustentar suas famílias. Ao mesmo tempo, outra união surge nas ruas britânicas pedindo por direitos: a comunidade LGBTQIA+ que vai à luta por mais respeito e dignidade numa sociedade ainda externamente conservadora. Assim começa a história improvável de dois grupos que não tinham nenhuma relação, mas se uniram em prol de uma causa. “Orgulho e Esperança” tem uma história interessante que vai mais além do que só mostrar dois grupos diferentes de pessoas superando as diferenças por uma causa maior; mostra também amizades sendo construídas entre essas pessoas.
O longa tem diversos personagens carismáticos e bem construídos, mas centra-se em Joe Copper (George McKay), um jovem de vinte anos que ainda está começando sua “vida fora do armário” e adere à luta de Mark Ashton (Ben Schnetzer), o rebelde e temperamental líder do grupo ativista Lesbians and Gays Support the Miners (LGSM). Enquanto vários sindicatos recusam a proposta de união de lutas, um grupo de Onllwyn – uma pequena cidade mineira de Gales –, decide receber uma visita dos protagonistas, ainda que por um engano ao telefone. O representante dos mineiros, Dai Donovan (Paddy Considine), se sensibiliza com o discurso de Mark e decide convencer seus colegas a trabalharem juntos. É claro que o filme reúne todos os elementos que parecem clichê, mas são mais do que verdadeiros: as mulheres que se encantam com os gays, dos mais “afeminados” aos que tem postura heteronormativa, aquele que ainda não saiu do armário mesmo após muitos anos, o que está “se descobrindo” e precisa sair do ambiente familiar para viver sua vida, o HIV pipocando na comunidade, os homofóbicos religiosos e aqueles que são intolerantes até conhecerem (e começarem a entender) que a única diferença entre héteros e homossexuais é a pessoa com quem você se relaciona. Tudo contado com bom humor, mas nem por isso menos sério quando as questões precisam ser.
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Se por um lado é fácil simpatizar com a “ala gay” do filme e sua luta, os mineiros também se mostram nada difíceis de serem compreendidos graças ao roteiro que nivela todos na mesma categoria, sem deixar que as lutas A ou B se prevaleçam uma sobre a outra. Assim, diversos personagens tem grandes momentos, seja em maior ou menor grau. Jonathan (Dominic West), por exemplo, é um ator excêntrico, que sofre dos males da AIDS, e conquista as mulheres da comunidade mineira com seus passos de dança, o que faz os héteros lhe pedirem lições sobre como lidar com a ala feminina.
Aliás, a ala feminina heterossexual de “Orgulho e Esperança” é um show de interpretação com personagens como a ultraconservadora Maureen (Lisa Palfrey), que faz de tudo para causar conflitos na união dos grupos, Sian (Jessica Gunning), a esposa de um mineiro que se estabelece como uma figura gradualmente mais forte e ativa nos direitos de ambos os lados, mostrando que não é preciso ser homossexual ou ter alguém próximo dentro de casa para simpatizar com a causa, e a sempre excelente Imelda Staunton como Hefina Headon, que pode não ser simpática à primeira vista, mas consegue humanizar seus colegas por meio da acidez. Há espaço também para a mais do que carismática idosa “sem noção” que pergunta de tudo (mesmo) sobre as preferências sexuais de cada um e como elas funcionam, especialmente “as suas lésbicas”, como ela chama o grupo de meninas ativistas com quem tem uma relação carinhosa e emocionante, ainda que não menos engraçada.
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Com uma trilha maravilhosa que remete a sucessos dos anos 1980 como “You Spin Me Round (Like A Record)“, do Dead or Alive, “Tainted Love”, do Soft Cell, e “West End Girls”, do Pet Shop Boys, como filme propriamente dito, “Orgulho e Esperança” é o legítimo exemplar britânico linear, com começo, meio e fim. Com tantas qualidades, foi merecidamente reconhecido em diversas premiações, entre elas o Globo de Ouro (indicado a Melhor Filme – Comédia/Musical) e o BAFTA (indicado a Melhor Filme Britânico e Melhor Atriz Coadjuvante – Imelda Staunton –, além de ter ganhado a estatueta de Melhor Filme Britânico de Estreia), e também venceu a Queer Palm do Festival de Cannes.
“Orgulho e Esperança” não engloba só a alianças entre o grupo de gays/lésbicas e os mineradores grevistas, mas também apresenta os personagens de modo mais individual e íntimo, suas jornadas em paralelo ao ativismo. O modo como os dois grupos marginalizados se unem é comovente e inspirador, com a trama cheia de cores e ritmo. Tudo é tratado com bom humor, enquanto o longa passa pelas duas lutas, sem que uma prevaleça sobre a outra, e todos os personagens têm suas partes importantes na trama. Nenhum personagem está ali apenas como secundário. Em tempos de aprovação do casamento de pessoas LGBTQIA+ em quase todas as regiões do mundo e em contraste com a política conservadora da bancada religiosa que quer incluir até “bolsa ex-gay” no Brasil, a produção mostra-se necessária para mostrar como se procede em uma luta pela igualdade de direitos. É preciso batalhar para conquistar respeito, algo que deveria ser o normal perante a sociedade.
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“Orgulho e Esperança” tem em mãos uma improvável aliança mostrando que, no fundo, todos somos iguais, independente de credo, raça ou, é claro, orientação sexual. E que há motivos de sobra para se orgulhar de ser quem é.