Hoje, a redação do Lesb Out! vai dar uma voltinha na Irlanda. Com direção de David Freyne (“The Cured”), ambientada nos anos 1990, “Dating Amber” acompanha Eddie (Fionn O’Shea) e Amber (Lola Petticrew), dois adolescentes que decidem começar um relacionamento falso. Os dois jovens querem evitar suspeitas sobre suas orientações sexuais devido a homofobia no país. Amber pretende levar uma vida lésbica em um ambiente mais liberal, e para isso tenta economizar dinheiro e se mudar. Eddie ainda não possui total confiança de sua sexualidade e quer seguir os passos do seu insensível pai no exército irlandês.
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Em 1995, a homossexualidade tinha deixado de ser crime na Irlanda há apenas dois anos e o preconceito ainda dominava as cidades mais conservadoras. Representando a virilidade padrão, o pai de Eddie ocupa um cargo no exército e insiste que o filho o acompanhe nas lições de sobrevivência na selva. O travestismo, no sentido original do termo, se encontra em todos estes personagens fantasiados, segundo uma ideia compartilhada de sexualidade e gênero, mesmo que se sintam desconfortáveis dentro das roupas.
Nos anos 1990, o cinema adolescente LGBTQIA+ apostava na emancipação pelo amor romântico, produzindo ótimos filmes, a exemplo de “Delicada Atração” (1996). Em 90 minutos muito bem distribuídos, “Dating Amber” encontra oportunidade para desenvolver a personalidade dos protagonistas e de pelo menos meia dúzia de coadjuvantes, permitindo que Eddie e Amber se tornem bons amigos, finjam um relacionamento heterossexual para agradar aos pais e colegas, e depois sejam testados de inúmeras formas quanto aos limites desta farsa. A montagem, ágil sem ser apressada demais, oferece sequências dinâmicas de aproximação e separação entre a dupla central, além de apostar na repetição cômica de cenas e espaços (a pedra jogada no menino, os beijos atrapalhados diante da “parede gay” da escola, o trailer usado de motel pelos adolescentes). Os diálogos sarcásticos, típicos do humor britânico, e as sequências com piadas de inadequação (os jovens sendo masturbados pelas namoradas dentro do cinema, durante a sessão de um drama sobre câncer), garantem a distância de uma percepção ingênua da sexualidade.
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O roteiro de “Dating Amber” permite que os personagens principais evoluam, não apenas rumo a uma aceitação inequívoca, mas através de estágios complexos entre a experimentação gay (vide a comovente cena com a drag queen) e os sentimentos homofóbicos de culpa após cada “escapada” com meninas. No que diz respeito aos demais nomes do elenco, embora os colegas de turma tenham participação discreta, servem a ridicularizar os códigos sociais ligados à vida adulta – como “ser homem” e “ser mulher”, de acordo com a moral e os bons costumes.
O diretor David Freyne toma a precaução fundamental de fazer com que a comicidade provenha das situações e dos personagens heterossexuais (coadjuvantes), ao passo que demonstra respeito pelos protagonistas gay e lésbica, e por outros personagens homossexuais que cruzam seu caminho. Somem as imagens depreciativas de gays efeminados soltando gritinhos de alegria, de lésbicas masculinizadas e outros estereótipos nocivos que ainda povoam o cinema brasileiro (vide “Quem Vai Ficar com Mário?”). Em paralelo, escapa à armadilha de discursar sobre aceitação gay para os heteros, caso de tantos projetos pedindo que o público heteronormativo deixe de maltratar os colegas LGBTQIA+ – é preciso parar de enxergar o dever de respeito à diferença como uma clemência solicitada às classes privilegiadas. Freyne embala este ponto de vista firme dentro de uma narrativa leve, de aparência descompromissada (nenhum espectador terá a impressão de assistir a uma palestra durante a sessão).
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Considerando a importância de todos os segmentos sociais se verem representados nas obras de arte, com respeito e de modo complexo, há que se comemorar o lançamento no Brasil de uma produção tão acessível quanto complexa. O cinema também é feito para os jovens não-heterossexuais, cansados de verem apenas meninas apaixonados por meninos nos filmes, nas propagandas, nas novelas, nas séries, nos ensinamentos dos pais e nas escolas.