Ficha Técnica
Livro: Na casa dos sonhos
Autora: Carmen Maria Machado
Tradução: Ana Guadalupe
Editora: Companhia das Letras
Número de Páginas: 360
Ano de Lançamento: 2021
Com tradução de Ana Guadalupe, escrito por Carmen Maria Machado e lançado pela Companhia das Letras, “Na casa dos sonhos” é uma autobiografia sobre os vários tipos de abuso que uma mulher pode sofrer dentro de um relacionamento.
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Carmen Maria Machado é uma mulher bissexual e encontra a sua abusadora durante a faculdade. Após ter vários casos e namorar com vários homens, ela se encontra em seu primeiro relacionamento sáfico com uma mulher culta, sexy, linda e que a faz se sentir desejada. Um sonho, sim? Colocado como sendo realmente uma meta de relacionamento como Carmen queria, não existem homens no meio das duas, elas apenas se amam e se entendem. Mesmo que sua amada tenha outra namorada. Mesmo quando ela diz que não gosta dos seus amigos porque você não dá atenção o suficiente para ela.
Carmen vem de uma família religiosa. E quando saiu de casa se sentiu finalmente livre para se abrir para o mundo. Estar com sua namorada foi seu primeiro ato de rebeldia. Para ela, seria alguém que lhe ensinaria o que é ter um relacionamento saudável e estável. Ingênua? Talvez. Muito. Antes de ser presa totalmente pela sua ex, Carmen como uma mulher de autoestima baixa nos mostra como é fácil se encantar por uma mulher atraente que nos trata como uma pessoa especial. E aí as reclamações, o gaslighting, as mudanças bruscas de humor parecem, para a pessoa encantada, obstáculos sem importância. Algo passageiro, porque logo ela volta a ser amável e carinhosa e a te fazer acreditar que ela é necessária em sua vida. Uma das partes mais pesadas do livro é sem sombra de dúvidas quando Carmen Maria Machado escreve como se pedisse desculpa por não ter percebido antes a armadilha em que estava se metendo, por não ter gritado, se imposto, não permitido ser tratada com violência psicológica e física.
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“Na casa dos sonhos” é um livro que destaca um dos pontos importantes para a comunidade LGBTQIA+ que é como temos dificuldade para entender que as violências que nos acontece pela falta de bibliografia sobre abusos em relações queer. Encontramos muitos relatos sobre homens abusadores, e pouco sobre mulheres — no livro, Carmen nos traz uma pequena relação de mulheres criminosas e abusadoras que pesquisou para entender as atitudes da ex. Essa ausência de relatos sobre crimes passionais envolvendo casais sáficos poderia ser causada pelas próprias vítimas, envergonhadas de relatarem o abuso, tanto pela vergonha e medo como para não exporem uma comunidade que já sofre com preconceito a receber ainda mais ataques. Algo como “claro que deu errado, eram pecadoras, duas mulheres juntas”, sabe?
“Nós merecemos que nossas transgressões sejam representadas tanto quanto nosso heroísmo, porque, quando negamos a um grupo de pessoas a possibilidade da transgressão, estamos lhe negando a humanidade. Em outras palavras, indivíduos queer — os da vida real — não merecem representação, proteção e direitos por serem moralmente puros ou respeitáveis como grupo. Merecem tais coisas porque são seres humanos, e isso basta.”
É possível perceber no decorrer da leitura como tudo isso perturbou Carmen por muito tempo. Quem te ama é quem mais te agride gratuitamente. A pessoa grita, você se assusta, e ela age como se não tivesse feito nada. Sua “amada” critica tudo o que você faz, o que você diz, o que usa, te diminui física e intelectualmente para depois dizer palavras doces e amorosas. E você pensa: ela me ama, apesar de eu ser horrível. E por isso preciso dela. E a corda em volta do pescoço se aperta um pouco mais a cada incidente. O livro narra muito bem como Machado decaiu durante a relação. Como passou de uma jovem confiante a um rato amedrontado, medindo cada palavra para não irritar a namorada, passando fisicamente mal a cada discussão.
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Ainda temos uma ideia de que a comunidade LGBTQIA+ é só alegria, divas pop e purpurina, uma balada que nunca acaba e onde nada de ruim acontece. Mas coisas ruins acontecem. Uma mulher lésbica não é um ser mágico desprovido de falhas. Ela pode errar e machucar, ela pode ser, sim, uma pessoa tóxica que está sugando toda a sua energia e vontade de viver. Ela é humana.
“[…] se você precisa deste livro, ele é pra você.”
“Na casa dos sonhos” é uma narrativa essencial sobre os relacionamentos abusivos. Um alerta de que o abusador pode estar em qualquer lugar. Não havendo uma literatura satisfatória sobre abusos em relações queer, Carmen Maria Machado foi lá e fez o que sempre gostaria de ter lido. Um aviso importante de que é compartilhando nossas histórias que aprendemos, nos unimos e podemos evitar que outras pessoas passem pela mesma coisa.
Obs.: livro cedido pelo Grupo Companhia das Letras para resenha.