Ficha Técnica
Livro: As vantagens de ser você
Autora: Ray Tavares
Editora: Galera Record
Número de Páginas: 350
Ano de Lançamento: 2022
Para os “perdidos, desmotivados, sem perspectiva e fracassados“, com a promessa de que “dias melhores virão“, Ray Tavares dedica sua quinta publicação a todos os que já sentiram (e sentem) o peso de não serem bem sucedidos, em uma sociedade que não lhes provê os meios para tal. “As vantagens de ser você“ é um retrato da angústia e pressão sofrida pelo jovem-adulto e sua frustrante tentativa de se encaixar às expectativas colocadas sobre seus ombros.
É difícil não se identificar com as dores de Ana Menezes, uma escritora de 24 anos, que nunca publicou um livro. Ao invés disso, trabalha em um lugar que a faz infeliz, paga pouco e suga toda a sua energia e criatividade, impedindo qualquer produção literária. E, como se não bastasse, Ana tem que conviver com o modelo de mulher perfeita, aquela que todos agradecemos por não a termos como prima, pois a garota “entrou de primeira na faculdade pública, fez intercâmbio com bolsa integral, conseguiu um programa de trainee logo que voltou ao Brasil, começou a namorar um médico, noivou aos 27 anos, faz trabalho voluntário em uma casa de repouso e, impressionantemente, aprendeu a falar japonês no meio-tempo, para poder falar com a família do noivo“. Enquanto Ana… Bem, Ana é solteira, lésbica e foi arrancada do armário aos 16 anos na festa de Natal da família. A vida realmente não é fácil para a nossa protagonista.
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E é numa tentativa de sobreviver a esse caos, que Ana usa o resto de seu salário para comprar um livro de eficácia duvidosa. Mas é seu último recurso, e “Você Só Será F*da Quando Se Sentir F*da” prometia transformar sua vida em 243 páginas. E, convenhamos, que atire a primeira pedra quem nunca se sentiu desesperado ao ponto de se tornar mais uma vítima da extorsão de um suposto “coach da felicidade”, mesmo consciente da grande bobagem que estava fazendo.
A eficiência do livro, escrito por Tony Diniz, pode até ser incerta, mas quando o destino resolve trabalhar a seu favor, até um manual de autoajuda é pretexto para uma mudança radical em sua vida.
Ana que o diga!
Em uma tarde de domingo, numa ida rotineira ao shopping com sua mãe, ela reencontra ninguém mais, ninguém menos que Bárbara dos Santos, sua colega de escola, por quem, até os dias atuais, mantém uma paixonite secreta. Bárbara é mais um exemplo de mulher bem sucedida, que ostenta, nas redes sociais, a sua vida perfeita, um gatilho para as inseguranças de Ana.
“Não queria que Bárbara soubesse que eu era uma escritora sem livros, uma jovem sem emprego, uma garota lésbica sem uma namorada para chamar de sua; queria que Bárbara me admirasse como eu a admirava, mas como? Eu a admirava porque ela tinha tudo o que eu queria – o que ela poderia admirar em mim? A forma como eu pensava demais e nunca conseguia falar o que estava pensando, a minha ansiedade não diagnosticada e não tratada ou o meu original pela metade abandonado no computador?“.
Nas poucas palavras trocadas com a eterna crush, Ana toma conhecimento de um retiro no Parque Estadual do Jalapão, em Tocantins, organizado por Tony Diniz, para o qual Bárbara está responsável por organizar a ida dos funcionários da empresa em que trabalha. Mas, em que mundo, Ana poderia abandonar seu trabalho e viajar para o Norte e emanar ondas de felicidade no meio do Jalapão?
Ora que pergunta tola! É óbvio que no mundo em que, num ímpeto de fúria e coragem (e muito desespero), Ana se demite do seu terrível emprego e usa o dinheiro das férias e décimo terceiro para inscrever a si mesma e seus melhores amigos, Camila e Luís, no retiro de Tony Diniz. Se nada der certo, pelo menos eles passarão o final de semana em um dos lugares mais bonitos do Brasil.
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E as coisas já dão errado antes mesmo de começarem. Perder o ônibus da excursão é só o começo da aventura de Ana, Camila e Luís, que se somam a Bárbara e seu namorado, Gael, com quem pegam uma carona de três dias, numa viagem de carro de São Paulo ao Tocantins. Os perrengues são muitos, bem como as conversas desconfortáveis, as agradáveis e a intimidade que vai se construindo entre essas pessoas, numa situação tão improvável.
“As vantagens de ser você” é um livro sensível e engraçado na mesma medida. Consciente de seu tempo e da sua realidade política, a obra é o que podemos chamar de “puro suco de Brasil” e nos proporciona diálogos com a atualidade. Ora melancólicos:
” — Ué, não tinha parado de fumar? […]
— Eu parei, mas é que tô tenso — Luís tragou o cigarro com a familiaridade de quem nunca havia parado, nem por um segundo.
— com o quê? […]
— Sei lá, com a política, com a vida, tem como não estar tenso morando no Brasil?“.
Ora tragicômicos:
“ — O que vamos assistir hoje
— Hoje eu quero ficar triste — Luís pediu, ajeitando-se no sofá. — Vamos assistir à posse do Bolsonaro?
— Credo, Luís, é pra ficar triste ou desistir da vida? […] Vamos assistir qualquer coisa da Shonda“.
Seja como for, em “As vantagens de ser você“, a risada é certa, assim como as lágrimas e as reflexões profundas: “Às vezes eu acho que a felicidade é superestimada — Luís comentou, sempre um pouco pessimista. — Tipo a gente tá sempre buscando a felicidade, mas quando a gente fica um pouquinho feliz já logo nos desesperamos porque em algum momento ela vai embora, então ficamos tristes enquanto estamos felizes porque já estamos pensando no momento em que vamos ficar tristes de novo, e aí a gente não fica feliz nunca, né?“. Pode-se dizer, então, que não há forma de sair ileso da leitura de Ray Tavares.
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