No México, em 1989, conhecemos La Encantada: uma fazenda onde as participantes e talvez, futura Miss México, são colocadas para passar quatro meses sendo moldadas para a disputa final. É neste ambiente que somos introduzidas na série “Señorita 89”.
Na produção conhecemos diversas garotas, com classes sociais distintas, passados e diversas vivências. Garotas que muito novas foram colocadas e praticamente vendidas como pedaços de carne, sejam para serem vistas, darem apoios financeiros a sua família, sejam como costureiras, como mulheres abandonadas e mães solas, entre outras.
La Encantada mostra um mundo desencantado, em que garotas jovens são colocadas em uma competição, que além da sua moral, acaba com o seu espírito e corpo físico. Logo no início, todas são convidadas a assinarem contratos que dizem o seguinte: que elas não teriam contato com seus familiares durante esses meses do processo, que aceitam respeitar e seguir as ordens decretadas, e aceitam se submeterem a correções estéticas que serão propostas pela equipe do projeto.
Desde seus pesos, curvas, tamanho dos seios, narizes, maçãs do rosto e tudo o que estiver relacionado ao corpo feminino. Ou seja, elas são “aperfeiçoadas” para serem vendidas como mulheres lindas, perfeitas, divertidas e que falem bem, o que o mundo e os poderosos querem ouvir.
Tudo isso acontece em um processo que usa as mulheres mais pobres, de pequenas aldeias como Jocelyn Chihuahua (Leidi Gutierrez), costureira e filha de um imigrante morto nos Estados Unidos. Ela foi escolhida a dedo para representar seu povo e como “esperança e modelo” de garota do povoado que pode chegar em um alto patamar, sendo patrocinada por um poderoso da região. Ángeles Oaxaca (Coty Camacho), uma mulher mexicana, mãe solo e abandonada, que faz de tudo pela sobrevivência e criação do seu filho.
“Señorita 89” explora diversos alicerces narrativos, com foco principal em Elena (Ximena Romo), nossa professora, que tem por objetivo explorar o “La Encantada” para seus estudos sobre a beleza e estética buscada ao longo da história em mulheres, ela também é a narradora da trama.
Concepción (Ilse Salas), a manda chuva do lugar, que comanda todas as garotas e faz a gestão é uma das personagens mais surpreendentes, pois conhecemos a vida triste, de ter sido obrigada a estar em um relacionamento heteronormativo; escondendo a sua sexualidade, paixões e assim, a vida. Ela foi completamente influenciada e manipulada pelo pai, e posteriormente pelo irmão (vivido por Juan Manuel Bernal) ao longo dos anos. Ela nutre uma paixão por Dolores (Bárbara Lópes), que é perceptível desde o primeiro capítulo através da troca de olhares.
A queridinha Dolores Guerrero é uma das personagens que mais encanta, e garante aquela vontade de colocar em um potinho e proteger do mundo. Desde seus 15 anos se encontra no mundo cruel dos homens, sendo praticamente empurrada pela sua família para concursos e com o amadurecimento, passa a entender como funciona o meio para garotas pobres. Ela encontrou no vício em drogas e bebidas, um meio de esquecer a dor e depressão.
É necessário falar da química entre Dolores e Concepción em todos os momentos: seja na troca de olhares, ou na brilhante cena do quarto. E perceber como Concepción cuida e protege Dolores, faz a gente passar pano por todos os outros anos em que ela cooperou com os acontecimentos naquele lugar.
Consumir uma produção que relata todo o glamour sofisticado do concurso de Miss México, acima de tudo, o que as garotas mais pobres precisam passar para conseguir dinheiro, patrocínio e até serem vistas pelos poderosos da região é intrigante. Através de desfiles de seus corpos, modificações, brigas políticas e de poder, abusos sexuais e trocas comerciais de seus corpos, a série produz uma reflexão sobre este universo de Miss.
A produção possui um roteiro de tirar o fôlego e uma trilha sonora bem selecionada. É importante citar que desde a abertura é trabalhado o conceito de claustrofobia, você já se sente enclausurada pelas imagens de lindas flores se fechando e desfalecendo, da música tão dura e latente, escolhida a dedo para compor esta produção.
“Señorita 89” foi dirigido por Lucía Puenzo e roteirizada apenas por mulheres. A série teve sua estreia em fevereiro deste ano e está disponível na StarzPlay.