Quando pensamos em poesia, os nomes que nos vêm à cabeça geralmente são masculinos: Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Edgar Allan Poe, Walt Whitman etc, estes comumente mais estudados e valorizados no cenário literário. Poucos são os nomes femininos: Cecília Meireles, Hilda Hilst, Olga Savary. E (quase) inexistentes são as poetas LGBTQIA+ que não são apagadas e excluídas pelo cânone literário (conjunto de obras consideradas referências para estudos, por sua suposta qualidade e estética superiores).
Pensando nisso, selecionamos nove poetas sáficas que valem a pena serem conhecidas. Confira:
1. Safo de Lesbos
Começamos nossa lista com a poeta cuja reputação de amar outras mulheres afetou profundamente a linguagem das gerações posteriores. Isso porque Safo, quenasceu entre 630 e 612 antes de Cristo, numa ilha chamada Lesbos, na Grécia, deu origem às palavras sáfica (e derivados), a partir de seu nome, e lésbica (e derivados) a partir do lugar de onde veio, ambas designadas para rotular mulheres que se atraem romanticamente e/ou sexualmente por pessoas do mesmo gênero.
Dentre as autoras que estão citadas aqui, Safo foi a mais apagada historicamente. Pouco se sabe sobre sua vida, ou mesmo sobre sua poesia, ainda que seja classificada como uma das maiores poetas de todos os tempos. Boa parte do seu trabalho foi destruído por líderes religiosos, numa tentativa (vã) de deixá-la no passado.
“[…]
Sinto um fogo sutil correr de veia em veia
por minha carne, ó suave bem querida,
e no transporte doce que a minha alma enleia
eu sinto asperamente a voz emudecida.”
2. Dia Nobre
Nascida em Juazeiro do Norte, na região do Cariri cearense, Dia Nobre é Ph.D em História e atualmente trabalha como professora universitária em Petrolina, Pernambuco. Sua obra é composta por publicações não-ficcionais, ficcionais e poéticas. Seu primeiro livro de poesias “Todos os meus humores“ veio à luz em 2020, nele, a autora fala abertamente sobre saúde mental, homossexualidade e dos abusos sofridos pelas mulheres numa sociedade que tende a nos excluir.
Dia Nobre é ainda autora do livro “No útero não existe gravidade”, e participa da antologia “Antes que eu me esqueça – 50 autoras lésbicas e bissexuais hoje”.
“eu sempre quis ser daquelas pessoas que apontam para o céu e sabem os nomes das constelações, ela me disse, naquele dia no pátio do aeroporto. mas não teve coragem de pegar na minha mão nem de me pedir pra ficar.”
3. Raíssa Éris Grimm
Ela “é lésbica, com ascendente em transfeminismo e lua em poesia”. Assim é definida a poeta florianopolitana Raíssa Éris Grimm. A autora, que hoje vive em Fortaleza, escreve desde os 14 anos como um processo de entender as próprias emoções, principalmente depois de compreender-se como uma mulher duplamente marginalizada — transgênero e lésbica.
A poética de Raíssa é erótica e de resistência, e pode ser encontrada em seu Instagram, bem como reflexões acerca de transgeneridade, translesbianidade e relacionamentos não-monogâmicos.
“A promiscuidade de minha corpa
é tão imensa
que os calores do desejo lhe tomam
dos pés
à língua:
eriçando
cada poro
num entrelace entre danças,
orgasmos
e lutas
conspirando
liberdade
com todas as amantes
que cruzam meu caminho.”
4. Angélica Freitas
Além de poeta, a gaúcha Angélica Freitas é tradutora, jornalista e amante de café. Comprometida com causas do feminismo, sua primeira publicação foi em 2007, com a obra “Rilke Shake”, seguido por “Um útero é do tamanho de um punho” (2012), vencedor do prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte em seu ano de lançamento. Em 2020, depois de um longo hiato, Freitas voltou ao cenário literário com “Canções de Atormentar”. Em suas palavras, “ser poeta é uma maneira de estar no mundo” e é no mundo que está sua poesia, traduzida na Argentina, Alemanha, Espanha, EstadosUnidos, França e México.
“a mulher é uma construção
deve ser
a mulher basicamente é pra ser
um conjunto habitacional
tudo igual
tudo rebocado
só muda a cor
particularmente sou uma mulher
de tijolos à vista
nas reuniões sociais tendo a ser
a mais malvestida.”
5. Thalita Coelho
Capricorniana com ascendente em leão, apaixonada por gatos, celíaca e vegetariana, Thalita Coelho é também escritora, professora de português e doutora em literaturas. Sua primeira publicação foi aos dez anos, a partir de uma atividade de escrita na escola.
Seu primeiro livro, “Terra Molhada”, reúne um conjunto de poesias que transbordam erotismo e narram o íntimo de mulheres que amam mulheres. Thalita Coelho também foi finalista do 63º Prêmio Jabuti, a mais importante premiação literária do Brasil, com sua obra “Desmemória” (2020).
“[…]
todo o meu escrito é mulher, ou melhor, toda a minha escrita é mulher, pra mulher, de mulher, em mulher. mesmo que não se saiba o que é. essas letras são mulheres, a tinta impressa será mulher, o toque no teclado foi mulher, os olhos que lêem são mulheres.
tudo que sai de mim se esvai pra preencher nós. mulher. minha dor é mulher. minha amor é mulher. minha pensar é mulher. minha escrever, também mulher. minha verbo é verba que sustenta o ser mulher, a poesia nada poética dessa linharada escrita por uma mulher que não sabe fazer poesia mas sente a poesia na carne. e sabe quem é, e é mulher, visível, saída da terra enterrada, saída da casa trancada, saída da sombra.
Autora de “Bagagem”(2019), Larissa Campos é também orientadora literária e pesquisadora independente de escrita curativa, uma prática de autoconhecimento que consiste em expressar, através da escrita, os pensamentos que você não compartilharia com ninguém. Seu desejo? Ajudar outras mulheres a colocarem suas criações no mundo.
“há tanto
no não dito
naquele toque de pernas
embaixo da mesa —
desculpa, meu frio
quer se esconder em você.”
7. Elayne Baeta
Baiana, virginiana, com ascendente em leão e lua em libra, Elayne Baeta é queridinha entre as leitoras sáficas da geração Z. Sua primeira publicação, “O amor não é óbvio“, foi o primeiro romance lésbico juvenil a integrar a lista de mais vendidos da revista Veja e frequentemente encabeça a lista de romances lésbicos mais vendidos na Amazon.
Seu principal incentivo para escrever? A falta de representatividade de meninas que amam meninas nas prateleiras das livrarias. Sua primeira publicação poética foi em 2021, com a obra “Oxe, Baby“.
“Como poderia eu,
uma menina,
segurar publicamente
a mão de uma menina
e sentir qualquer outra coisa
que não seja orgulho”
8. Verônica Ramalho
Natural de Santos, em São Paulo, a escritora bissexual Verônica Ramalho enxerga a literatura como uma experiência, que ela traduz em poesias sensoriais e subversivas, que, aliás, é a proposta de sua obra mais recente — “Três Línguas” — “subverter a língua é um desafio, um jeito de superar o risco, de tensionar as estruturas”. Ramalho já dirigiu curtas-metragens e trabalhou como cenógrafa para a televisão, teatro e cinema, atualmente atua como escritora e tradutora e se aventura na escrita de seu terceiro livro, dessa vez, uma obra em prosa.
“Na vírgula mora uma possibilidade, respiro, na
vírgula acaba algo sem que nada acabe, a
vírgula, obliteração.
No rabo da vírgula me balanço, brinco, anseio,
no rabo da vírgula volta a luz. O mais
escuro é outra parte, pausa, parte, parte
de algo será parte do quê? O escurecido é
outro ponto, outra parte.”
9. Elizabeth Bishop
Elizabeth Bishop nasceu em Worcester, no estado de Massachusetts, região nordeste dos Estados Unidos. Em 1951, veio para o Brasil, aos 40 anos, em uma viagem de navio pela América do Sul, sua intenção era ficar algumas semanas, mas uma grave alergia adiou sua partida, e o encontro com o grande amor da sua vida — Maria Carlota Costellat Macedo Soares (Lota) — estendeu, por mais de uma década, sua permanência em nossas terras.
Elizabeth foi vencedora do Pulitzer Prize, em 1956, pelo livro “A Cold Spring” (1955), e atuou como tradutora dos (já citados) poetas brasileiros Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Vinícius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade, além de alguns contos de Clarice Lispector.
“A arte de perder não é nenhum mistério
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério
[…]
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) um desastre.”
E vocês? Gostam de poesia? Qual poeta faltou em nossa lista?