Sabe-se que quando se trata de representatividade os quadrinhos estão alguns anos na frente das produções cinematográficas e seriadas. A liberdade que um roteirista de HQs possui também é maior e mais abrangente que uma pessoa que escreve obras para a TV e cinema, e isto permite que nós, pessoas parte destes grupos carentes de representatividade, sejamos presenteados com personagens que “se parecem conosco”. E dentro deste mercado existem grandes marcas e uma delas é a DC Comics que já criou personagens icônicos como Lois Lane, Mulher-Maravilha, Superman, Batman, e a lista continua.
É fato que a empresa criada por Malcolm Wheeler-Nicholson, em 1934, nunca fugiu de apresentar personagens que saiam do padrão comum, sejam representativos e até mesmo diferem dos estereótipos criados. Um grande exemplo disso é a Lois Lane, que diferente das mocinhas da época (ela foi criada em 1938) não estava ali somente para ser salva. E onde quero chegar? Bom, como o título já esclarece, estamos aqui para falar de ninguém menos que Kate Kane, a primeira personagem lésbica heroína a ganhar um quadrinho solo. Portanto, após esta introdução, shall I begin?
A Batwoman foi criada em 1956 e levava o nome de Kathy Kane, uma homenagem ao criador do Batman, Bob Kane, e era uma ex-acrobata de circo que, após ganhar uma fortuna, decide combater o crime. O ponto interessante é que ela surge com o propósito de afastar os rumores sobre a sexualidade de Bruce Wayne, devido ao livro “A Sedução do Inocente”, de Frederic Wetham. Enfim, anos se passaram e a vigilante seguiu fazendo aparições em diferentes histórias, com a identidade variando.
Em 2006 a DC Comics decide, então, trazê-la de volta só que reformulada. Ela ganha de vez a identidade de Kate Kane e surpresa… A herdeira dos Kane é lésbica! Claro que o timing era perfeito já que a história da jovem se alinhava com os debates a respeito do “don’t ask don’t tell” que ganhava força entre os militares. Aos que não sabem, esta era uma política que proibia pessoas LGBTQ+ de se assumirem nas forças militares americanas, pois, caso o fizessem, eram expulsos. Portanto, a filha do Coronel Kane, um militar respeitado, que havia decidido ainda muito nova seguir os passos do pai devido ao seu sequestro, da mãe e da irmã gêmea – as duas últimas morreram na presença da mesma – e sua necessidade de proteger outras famílias, se vê expulsa do exército e impedida de alcançar seus sonhos ao se recusar a dizer que não era homossexual.
Sim, meus caros, a história da ruiva é intensa, madura e delicada. Ademais, a vigilante de Gotham também é judia, algo que sempre fica claro nas narrativas de suas histórias. Kate é o tipo de personagem que tem muito orgulho de quem é: ela não esconde a sexualidade, tanto que não existe uma pessoa em Gotham que não saiba que a herdeira dos Kane frequenta bares LGBTQ+ femininos, e muito menos suas crenças religiosas. Diferente do primo Bruce Wayne – sim, eles são primos –, ela não desgosta da vida de socialite e nem usa a identidade como uma máscara, o que faz um excelente contraste com a persona combatente do crime, que usa o manto com tamanha sede por justiça.
O ponto é que essas características tão cruciais de Kate Kane só a deixam ainda mais humana. Kate tem camadas, não é simplesmente uma vigilante, uma heroína, é muito mais do que isso. É interessante também acompanhar a jornada da ex-militar, pois em momento algum existe desconforto interno sobre a sua sexualidade, o que poderia muito bem ser explorado se os roteiristas decidissem trabalhar com a ideia de alguém se descobrindo agora, já que era algo novo no universo dos quadrinhos, e em parte, continua sendo.
Kate Kane é isso: lésbica, judia, filha, irmã, vigilante. Uma mulher que viu seus sonhos serem destruídos, pois o país que quer defender não aceita sua sexualidade. Uma mulher que precisou enfrentar a escuridão que existia dentro de si para descobrir algo importante sobre si… A importância da Batwoman não só reside no fato de o público feminino LGBTQ+ ter alguém que lhe represente, ter uma heroína que se parece consigo, mas também no de mostrar que não se deve ocultar uma parte de si da qual não se deve ter vergonha alguma.
Batwoman não é só a heroína de Gotham, mas também é a heroína das mulheres LGBTQ+ que lutam diariamente para serem vistas, respeitadas e aceitas numa sociedade que ainda enxerga uma pessoa LGBTQ+ como alguém que não deveria existir e/ou ter vergonha de existir. A conclusão: precisamos de mais Kate Kanes nos filmes, nas séries, nos quadrinhos, na arte como um todo, pois representatividade positiva importa, pois ela inspira, valida e até mesmo consegue mudar o mundo.