Baseada na série de quadrinho de mesmo nome da autora Alice Oseman, “Heartstopper” é o novo lançamento da Netflix. A adaptação para o streaming apresenta uma narrativa leve e divertida, de apenas oito episódios de até 30 minutos de duração, sobre o relacionamento de dois adolescentes: Charlie Spring (Joe Locke) e Nick Nelson (Kit Connor).
Charlie é um garoto nerd e sensível que, depois de ter se assumido gay na escola, vem sofrendo bullying de alguns colegas, o que, muitas vezes, o torna inseguro. Já Nick é superpopular, joga rúgbi e sempre está com um sorriso no rosto. Os dois se conhecem no grupo do intersérie da escola, o que faz com que sentem juntos todas as manhãs e estreite a relação dos dois. É interessante ressaltar que a escola Truham é somente para meninos e em frente tem uma escola só para meninas, Higgs.
No momento em que Charlie percebe que seus sentimentos por Nick começam a mudar, ele começa a ter receio de perder a amizade do seu novo amigo, já que para todos os efeitos, ele (Nick) é hétero. Ao longo das manhãs que passam juntos, a amizade dos dois evolui: fazendo com que Charlie enxergue que merece mais no amor e entenda que estava preso em um relacionamento abusivo (com Ben (Sebastian Croft)), e Nick começa a rever seus próprios sentimentos e suas relações de amizade.
Um ponto positivo da adaptação dos quadrinhos para o streaming é que “Heartstopper” consegue suprir os buracos e faltas que as HQs deixaram nas narrativas dos personagens secundários. Tara Jones (Corinna Brown) e Darcy Olsson (Kizzy Edgell) é um exemplo a se destacar, além do relacionamento fofo que elas apresentam em tela, também ganham um espaço a mais em que se explora as dificuldades que se é assumir um relacionamento entre duas mulheres em pleno ensino médio – ter que aturar piadinhas e afins.
Ademais, vale destacar a importância da Tara no processo de descoberta da sexualidade de Nick e dela mesma. Quando eles tinham 13 anos se beijaram pela primeira vez e enquanto a personagem de Brown teve a certeza naquele momento que era lésbica, Nick revisita esse momento e começa a compreender sua bissexualidade. Dessa forma, abre-se a discussão sobre as inúmeras nuances da sexualidade e como nada é preto no branco, no qual a série trabalha muito bem quando coloca Nick assistindo ao filme “Piratas do Caribe” com sua mãe e tendo dúvidas sobre qual personagem se interessa mais: Will Turner (Orlando Bloom) ou Elizabeth Swann (Keira Knightley).
Além de Tara e Darcy, outros personagens que tiveram atenção foram os amigos próximos de Charlie: Tao (William Gao) e Elle (Yasmin Finney). Elle estudava na escola Truham, porém, após a transição, conseguiu transferência para Higgs. É interessante acompanhar essa nova mudança em sua vida e como Tara e Darcy são importantes nesta nova etapa.
Em relação ao Tao, ele é o típico amigo superprotetor, principalmente levando em consideração o bullying que Charlie sofreu no passado. Ele está tendo dificuldades em aceitar as mudanças no seu círculo social: sua melhor amiga (Elle) trocou de escola, seu melhor amigo Charlie está se apaixonando e passando muito tempo ocupado, o único que não mudou foi Isaac (Tobie Donovan) que, infelizmente, não teve destaque na história e se proferiu duas palavras foi muito. Tao e Elle possuem uma espécie de relação de amizade em que ambos se gostam romanticamente e não entenderam seus sentimentos completamente ainda, o que deixa margem para um desenvolvimento elaborado na segunda temporada.
“Heartstopper” é uma série que possui um ritmo lento assim como as HQs, e os efeitos especiais em tela foi um grande acerto para a produção. As faíscas, flores e folhas que aparecem em forma de ilustração e em partes específicas trazem a delicadeza que Alice Oseman apresentou nas histórias em quadrinho, o que liga as duas obras de maneira exemplar.
Criada pela própria Alice Oseman, a adaptação é muito fiel a história original. O roteiro simples e sem grandes reviravoltas, provavelmente entediará aquele telespectador que não é ideal. Afinal, o foco da narrativa é um romance entre dois adolescentes, que ainda estão descobrindo o amor e o significado das borboletas na barriga. Assim como a série mostra recados ao longo da narrativa: a importância de saber a hora certa de sair do armário, a fluidez da sexualidade, os preconceitos que podem surgir simplesmente por ser LGBTQIA+ e principalmente o quão importante é ter uma rede de apoio (seja sua família, amigos, professores).
A verdade é que, em um mundo em que a maioria das produções adolescentes estão focadas em drogas, relações sexuais, bebidas, “Heartstopper” quebra essa “regra” e se torna tudo aquilo que um jovem deseja: um acalento no coração; além de trazer a crença que a vida do LGBTQIA+ pode ser incrível nos mínimos detalhes e nas coisas simples. E este é o mundo ideal de qualquer adolescente que não faz parte do padrão heterossexual.
Obs: a primeira temporada da produção é baseada nos dois primeiros volumes da série em quadrinho: “Heartstopper: dois garotos, um encontro” e “Hearststopper: minha pessoa favorita”.