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Resenha | Enquanto eu não te encontro – uma narrativa marcada pela cor-local

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Ficha Técnica
Livro: Enquanto eu não te encontro
Autora: Pedro Rhuas
Editora: Seguinte
Número de Páginas: 271
Ano de Lançamento: 2021


Já pensou encontrar o amor da sua vida no banheiro de uma boate, depois de protagonizar mais um desastre público, afinal, não há ninguém no mundo mais azarado do que você? E se esse amor da sua vida for um francês de raízes potiguar que, além de “covinhas maravilhosas que acentuam o quão lindo ele é”, fosse um devorador da literatura brasileira, apaixonado por Clarice Lispector, Luis Fernando Veríssimo, Nelson Rodrigues, Jorge Amado e Adélia Prado, apreciador da produção musical nacional: Céu, Caetano Veloso, Elba Ramalho, Vanessa da Mata e Elis Regina, e que ainda te olha como Capitu? Pois é exatamente o que acontece com o protagonista de “Enquanto eu não te encontro”, obra de estreia do escritor Pedro Rhuas.

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Na inauguração do Titanic, a mais nova boate LGBTQIA+ da capital norte-rio-grandense, enquanto foge de um ex-crush, “carinhosamente” apelidado de encosto, Lucas esbarra na bebida de um cara aleatório no meio da pista de dança, tingindo de vermelha a sua calça branca. E, como um bom clichê romântico, é de se esperar sua fuga dramática para o banheiro, bem como o turbilhão de sentimentos negativos trazidos pela cena vergonhosa, aliado à sensação de abandono (confessa ao leitor páginas antes) por Eric, seu melhor amigo, que agora só tem tempo para o namorado narcisista. É no meio desse caos que Lucas considera ir embora da festa.

“[…] O que mais pode acontecer essa noite?

O marco zero de um apocalipse pandêmico?

Ser abduzido por extraterrestres safados viciados no XVideos?

Dilma Rousseff impichada e o vampiro do Temer usurpando a presidência, abrindo caminho para anos de retrocessos, neoliberalismo e facismo no Brasil?

Nenhuma opção é infundada”.

Mal sabe Lucas que suas profecias nada infundadas se tornaram duras realidade alguns meses depois daquela noite. O que ele também não sabe é que Pierre, o garoto com quem esbarrou, é um europeu cordial de sotaque muito lindo, que o segue para pedir desculpas e propor que os dois passem o resto da noite juntos conversando sobre os desastres que cada um protagonizou.

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É numa velocidade surpreendente que os leitores de “Enquanto eu não te encontro” descobrem do que é feita a vida de um azarado confesso: desencontros. A conexão de Lucas e Pierre é instantânea, pela primeira vez nosso narrador se sente especial, visto e ouvido, disposto a se abrir com um cara que acabou de conhecer. Mas a noite chega ao fim e, embora todo tempo quanto houvesse para Lucas dançar com seu benzinho fosse pouco, parafraseando nosso eterno Rei do Baião (Luiz Gonzaga, caso não esteja claro), a despedida do casal acontece com a promessa de se encontrarem novamente, Pierre salva seu número no celular de Lucas.

Mas quem diria que o supracitado celular estaria com os dias, ou melhor, minutos contados? Lucas não tem tempo nem de entrar no carro, antes que Eric destruísse seu telefone de forma irreparável, extinguindo para sempre o contato com o seu francês. Não adiantam os esforços, Pierre não está em nenhuma rede social. Os meses passam e o protagonista de Pedro Rhuas se afunda num longo período de melancolia, se isolando de sua família e amigos. 

É uma de suas melhores amigas que salva Lucas da sua fase obscura, jogando-lhe umas boas verdades na cara. Ana é estudante do quinto período de psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, mesma instituição frequentada por Lucas, e se sente no direito de dar pitaco na saúde mental dos outros. Antes de entender a própria sexualidade, Ana “era a típica menina católica”, de vestido florido e pais religiosos. A mudança de cidade para cursar o Ensino Superior foi uma mudança em si mesma, que se tornou “a própria Ruby Rose […] cabelo curto e raspado na lateral, algumas tatuagens, rosto fino e roupas geralmente esportivas” e vive há poucos meses com Thamirys e três gatos, “mais um dia comum na vida da sapatão moderna. Afinal, como Ana diz, “sapatão não namora, sapatão casa”.

Há certa previsibilidade quanto ao reencontro de Lucas e Pierre, bem como as circunstâncias em que acontece, mas o drama da situação acerta ao não dificultar a reconciliação, até porque, a justificativa para a separação não dá muito espaço para qualquer desconfiança que pudesse surgir.

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Enquanto eu não te encontro” é uma celebração dos encontros e desencontros, das amizades, dos novos amores, dos inícios, dos fins e dos recomeços. Repleto de críticas ao cenário político brasileiro e referências à cultura pop, Mia Colucci, Regina George, Potyguara Bardo, Inês Brasil, Katy Perry, Lady Gaga, Lorde e Lana Del Rey são só algumas das citadas. Pedro Rhuas é brilhante ao abordar questões sobre racismo, homofobia e gordofobia. Uma narrativa marcada pela cor-local, conceito que os críticos literários atribuem às obras que exaltam a cultura e características de uma nação ou região, nesse caso, o orgulho em ser nordestino, a valorização do sotaque e dialetos do nosso cotidiano, além das referências à formação histórica do Rio Grande do Norte.

Enquanto eu não te encontro” é o primeiro livro de Pedro Rhuas, e carrega em si elementos do próprio autor. Assim como Lucas, Rhuas também é nordestino, também frequentou a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, também é super fã de Katy Perry e tem a música como sua fiel companheira, tanto que a história ganhou uma trilha sonora original escrita e cantada por ele, que está disponível no Spotify. Um livro para satisfazer os amantes de cultura pop, memes, romance clichês e, claro, cultura nordestina.


Obs.: livro cedido pelo Grupo Companhia das Letras para resenha.


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