Depois de um longo tempo de espera, a segunda temporada de “Gentleman Jack”finalmente estreou na HBO Max e, ao longo de oito episódios, veremos o desenrolar do investimento de Anne Lister (Suranne Jones) na exploração das minas que herdou de seu tio, as mudanças que pretende fazer em sua propriedade Shibden Hall, bem como os acontecimentos que se deram depois do seu casamento (sem reconhecimento oficial) com Ann Walker (Sophie Rundle).
Reconhecida como a primeira lésbica moderna, Anne Lister foi uma figura importante para a história das mulheres. A proprietária de terras que inspira a personagem de Suranne Jones nasceu em 1971, num cenário pós-Revolução Francesa, e se tornou pioneira em várias questões de âmbito social, num período conhecido por limitar e oprimir mulheres, legando-as à função de se tornarem boas esposas, mães e donas de casa.
“Gentleman Jack” estreou na HBO em 22 de abril de 2019, e já no primeiro episódio nos deparamos (e nos encantamos) com uma protagonista carismática e envolvente, cujo comportamento foge do que é esperado das mulheres da época. Anne Lister é subversiva em seus trejeitos, seu caminhar, suas roupas e penteados. Em cada cena ela desafia as normas sociais, seja ao conduzir uma carruagem, coletar o aluguel das próprias terras ou simplesmente, usar uma cartola como parte do seu vestuário.
Anne Lister é uma mulher inteligente, em seu currículo aparecem os estudos de grego, álgebra, francês, matemática, geologia, astronomia e filosofia. Uma viajante do mundo, estudou anatomia em Paris, tema que rendeu cenas bem humoradas quando a protagonista cita com naturalidade o episódio em que dissecou um bebê (que já “estava morto, obviamente”), causando um desconforto cômico em seus ouvintes.
Embora de família abastada e arrendatária de terras, Lister é relativamente pobre, por esta razão, e por acreditar que pertence àqueles espaços, ela é uma alpinista social em busca de manter-se entre a alta sociedade da época. Ambiciosa, ela se relaciona com mulheres ricas e herdeiras, com intenção de, juntas, aumentarem as próprias rendas. No entanto, esses relacionamentos resultaram em decepções, uma vez que suas amantes não se sentiam socialmente seguras para construir um futuro baseado neste romance clandestino e acabavam se casando com homens.
É no contexto de fim de relacionamento que Anne Lister volta para Halifax, onde está localizada sua propriedade, Shibden Hall, e descobre que suas minas de carvão estão sendo invadidas e roubadas pelos irmãos Rawson. A protagonista, então, decide investir na exploração do mineral, mas para isso precisa de mais dinheiro do que tem.
É então que ela reencontra Ann Walker, uma jovem órfã, herdeira de uma grande fortuna. O encontro das duas acende em Lister uma atração pela moça. Incentivada pela posição que ela ocupava e pelo interesse recíproco, ela começa a visitar constantemente a senhorita Walker. Não demora muito até que os encontros se tornem íntimos e amorosos. O desejo dela é viver com sua companheira como duas pessoas casadas, ainda que a sociedade da época condenasse o relacionamento entre pessoas do mesmo gênero, o que a deixava inconformada, visto que suas ex-amantes casaram com homens para atender às expectativas sociais.
“Gentleman Jack”, criada por Sally Wainwright, conta fielmente a história dessa mulher, que foi a primeira a possuir uma mina de carvão, a primeira lésbica moderna e, ao lado de Ann Walker, foram as primeiras mulheres a terem uma cerimônia de casamento, ainda que não reconhecida oficialmente.
Anne Lister era indomável, quando criança, sua mãe, sem conseguir controlá-la, a enviou para um internato, onde era mantida quase totalmente isolada, confinada em um quarto no sótão, pois suas professoras temiam que seu espírito rebelde influenciasse as outras alunas. Foi na solidão que começou a escrever um diário, hábito que cultivou por toda a sua vida. Ela desenvolveu um sistema de códigos que misturava letras em grego, latim, símbolos matemáticos, elementos de pontuação e do zodíaco, e com ele registrou toda a sua vida, inclusive seus casos e relacionamentos com outras mulheres, as estratégias para conquistá-las, sempre ciente de que poderia ser levada à forca, caso descoberta.
Ela foi uma mulher à frente de seu tempo, enquanto também era fruto do seu meio. Sofreu com comentários maldosos e chacotas que debochavam dos seus “trejeitos masculinos”, mas que não a impediram de se expressar à sua maneira.