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Resenha | Recomenda-se andar acompanhada – onde amor e assassinatos caminham de mãos dadas

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Ficha Técnica
Livro: Recomenda-se andar acompanhada
Autora: Tálita Heusi
Editora:
 Cartola
Número de Páginas: 396
Ano de Lançamento: 2021


Depois de conquistar os corações com o romance “Quase sem querer”, em 2020, a autora brasileira Tálita Heusi traz algo novo para suas leitoras. “Recomenda-se andar acompanhada”, como o livro anterior, mostra um amor nascendo, mas vem com um tempero a mais: assassinatos.

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Na cidade de Itajaí, Santa Catarina, desaparecimentos de jovens mulheres preocupam os moradores. Em meio ao clima de medo, Anna, uma jovem estudante, conhece Micaela, uma funcionária da universidade em que estuda e trabalha. E depois de um incidente, a convida para tomar um café. Os encontros, inicialmente esporádicos, e o interesse recíproco que Micaela e Anna têm uma pela outra, a primeira extremamente analítica, sincera e literal, e a segunda insegura, impulsiva e reprimida, se tornam mais frequentes enquanto elas se apaixonam. Tudo isso se desenrola com a sombra de desaparecimentos e descobertas de assassinatos que parecem cada vez mais próximos das protagonistas.

Já nas primeiras páginas do livro é revelado que a responsável pelos desaparecimentos, que depois se descobre serem, na verdade, assassinatos, é Micaela. Esse é outro ponto de interesse da narrativa, pois acompanhamos de perto a personagem que tem traços de Transtorno de Personalidade Antissocial, mais especificamente de sociopatia. E assim, por meio de cenas bastante gráficas, podemos compreender o que se passa na cabeça de uma pessoa que comete assassinatos em série e o que ela sente enquanto o faz. Assim como, quais são suas percepções sobre culpa e o fato de a sociedade considerar seu comportamento moralmente errado. Tudo isso com a enorme ironia de que sendo uma serial killer, Micaela é vegetariana.

Além disso, o fato torna a relação do casal especialmente peculiar, já que Anna tem um grande interesse por histórias de serial killers, e, sem perceber, se atrai por uma. E como ambas sabem que o que atrai Micaela à Anna é justamente sua vulnerabilidade, característica que causa alguns momentos de tensão.

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Recomenda-se andar acompanhada” possui dois focos narrativos. Primeiro vemos os acontecimentos aos olhos de Micaela. Já na segunda parte acompanhamos Anna, mas não a partir do ponto da história onde a visão de Micaela termina, o que pode deixar algumas leitores ansiosas, pois é um momento de grande suspense. A nova voz narrativa, ao contrário do que se esperaria, volta ao início da história, para quando elas se conheceram. Em um primeiro momento isso pode ser preocupante, pois passar por toda a história novamente sem se tornar algo enfadonho parece difícil. Mas Tálita consegue tirar esse desafio de letra, inserindo alguns fatos que podem surpreender a todas que subestimaram a insegura e aparentemente inocente Anna.

Além disso, a autora também acerta no tom, pois enquanto a parte da Micaela era calma e analítica, a seção do livro que é contada por Anna é tão caótica e prolixa que faz com que a gente sinta como se estivesse dentro da cabeça dela. Um toque de mestre de Tálita.

O livro “Recomenda-se andar acompanhada” é um presente para todas que amam histórias sáficas de amor e histórias de suspense, mas têm dificuldade de encontrar essa união no mundo literário. Enquanto acompanhamos o nascimento de um casal, que precisa defrontar com seus jeitos muito diferentes de lidar com sentimentos, desejos e sexualidade, vemos a onda de assassinatos cada vez mais próxima das protagonistas. Mas talvez o romance ganhe um protagonismo um pouco maior do que a trama de assassinatos.

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Para além do romance e do suspense, a obra também traz outros aspectos acerca da vivência sáfica e negra. Um dos trechos mais espetaculares é uma conversa entre as duas, em que Micaela, uma mulher branca padrão, critica Anna por ser excessivamente insegura. Ao que Anna responde que é muito fácil para uma pessoa padrão ser autoconfiante e falar para uma mulher negra que não é padrão se sentir assim. E ainda vai além.

Ela destrincha seu passado familiar e tudo o que sofreu por ser lésbica, deixando claro como toda uma vida de silenciamento e repressão a levaram a ser uma adulta insegura que se desculpa por tudo. Ao terminar a leitura dessa parte pode ser necessário fechar o livro e respirar para refletir sobre a positividade tóxica tão disseminada na internet – que espalha mensagens superficiais de que todos precisam melhorar sua autoestima como se fosse algo simples, quando na verdade é um processo muito mais lento, profundo e difícil do que isso.

Recomenda-se andar acompanhada” é uma obra literária que vai te levar dos suspiros à tensão em pouquíssimo tempo, com uma pitada de reflexão sobre a sociedade no meio. E quando você chegar à última página, com certeza vai querer pesquisar: “sociopatas podem amar?”.

Bombando

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