A falta de representatividade LGBTQIA+ em desenhos animados e produções infantis já é uma velha conhecida, mesmo que, recentemente, devido a grandes discussões sobre a importância da inclusão desses personagens, as produtoras tenham, de forma sútil, tentado inseri-las em suas histórias. Entretanto, isso levanta uma nova questão: a falta da utilização de termos que permitam com que o espectador consiga identificar de fato aquele personagem como LGBTQIA+.
Em uma sociedade em que a homofobia de todas as formas está enraizada, é importante que os desenhos animados tragam uma representatividade de forma mais profunda e saiam um pouco do superficial. É possível ver que as poucas personagens femininas homossexuais são muitas vezes definidas por suas criadoras e seus criadores como queer (nesse contexto utilizado como termo guarda-chuva para homossexualidade), do que como lésbicas, por exemplo. E é onde está a problemática, algumas vezes rótulos são extremamente necessários.
Crianças e adolescentes precisam enxergar que podem ocupar todos os espaços e além disso, precisam entender e aprender que os espaços que elas ocupam também podem ser ocupados por uma diversidade infinita de pessoas, inclusive pessoas LGBQIA+ e isso não deve ser tratado com nenhum tipo de estranhamento. É preciso aprender e conhecer termos e definições para que possam se reconhecer e reconhecer o próximo.
Então, onde está a letra L?
Hoje temos duas personagens em destaque em desenhos animados que representam lésbicas: Garnet (Estelle), de “Steven Universo”, é fruto de uma fusão de um relacionamento lésbico entre Safira (Erica Luttrell) e Rubi (Charlyne Yi), tendo sido confirmado assim através de um casamento entre as duas. Elas protagonizaram, pelo Cartoon Nertwork, o primeiro casamento entre duas mulheres em um desenho animado infantil.
Amity Blight (Mae Whitman), a personagem mágica de “The Owl House”, teve sua sexualidade confirmada pela autora da série Dana Terrace. Ela tem um grande interesse amoroso por Luz (Sarah Nicole Robles), uma humana que invade seu mundo. As duas protagonizam um dos casais sáficos em desenho mais atuais na televisão, sendo original da Disney. Amity demonstra interesse por Luz e apenas por ela, deste forma, Dana veio a público deixar a sexualidade da personagem clara, pois é importante para ela e para os espectadores a representatividade nesse desenho.
O que Rebecca Sugar e Dana Terrace fizeram em dizer publicamente que suas personagens são lésbicas permite que processos de identificação e discussões sobre o tema sejam levados para além do desenho na TV, sendo parte da conversa em família, nos debates entre eles e na escola. Personagens que provocam questionamentos, também provocam debates, que podem construir um movimento importante no desenvolvimento das crianças, inclusive na construção de um pensamento crítico e mais analítico sobre a sociedade. Isso pode ser possível porque os desenhos despertam a imaginação nas crianças e jovens, e é a partir dela que processos de construção de identidade e identificação são moldados.
Por que é tão difícil pronunciar a palavra “lésbica”?
Uma palavra carregada de tabu, seja porque duas mulheres se relacionando amorosamente ainda seja visto com preconceito e muitas vezes de forma fetichizada, o termo de definição “lésbica” é, até hoje, substituída por outros. Definir uma personagem de desenho com esse termo ainda está longe de ser uma realidade constante, sendo até mesmo difícil de ouvir nos desenhos adultos como os “Simpsons”, que traz a personagem Patty (Julie Kavner).
Desta forma, em desenhos infanto-juvenis a situação fica ainda pior pelo tabu que se construiu sobre esses personagens serem má influências. Só que ao contrário do que se pensa, a diversidade sendo apresentada de forma clara, causa menos estranheza nas crianças e jovens do que aquilo que é velado.
O tabu, o segredo, a substituição de termos causa estranheza, aversão, medo. Sentimentos que só podem ser combatidos com a representatividade. Sendo assim, a identificação através dos desenhos é um grande instrumento para a construção da confiança em crianças e adolescentes, em relação as suas próprias especificidades e ao mundo.
A representatividade explícita pode trazer benefício a curto e a longo prazo. Crianças e adolescentes que crescem conhecendo e entendendo sobre diversidade, crescem com um senso crítico mais aguçado, sendo um possível ponto de partida para a construção de uma sociedade menos preconceituosa e mais acolhedora. Ao mesmo tempo em que gera aceitação, diferentes percepções de mundo, sensibilidade e empatia com o próximo, e além de tudo, respeito.