Ilana Prates (Mariana Lima) é uma das personagens de “Um Lugar ao Sol” , novela de horário nobre da RedeGlobo, escrita por Lícia Manzo (“A Vida da Gente”). Ilana é dona de uma produtora de publicidade, tem 45 anos e é casada com Breno (Marco Ricca), um fotógrafo. Iniciou a sua carreira como modelo e há 20 anos foi morar na Itália, retornando ao Brasil anos depois. Ela é uma mulher poderosa, dona de si, decidida, workaholic, viciada em café e que toma a frente das situações financeiras da casa e da vida do casal.
Nunca quis ser mãe e nunca viu a necessidade de se enquadrar na maternidade, conforme a sociedade tanto espera de uma mulher. Entretanto, devido à pressão do marido de querer ser pai para “sentir-se completo”, em um casamento frustrado e aos pedaços, ela acata a necessidade dele e engravida de gêmeas. Na relação de Ilana com o marido, ambos pensavam que a presença de um filho transformaria o casamento deles, tanto que o assunto é muito discutido durante a terapia de casal.
Desde a ideia de conceber uma criança, Ilana sabe claramente como se privará da sua liberdade, que sempre amou ter, sendo esta a liberdade de viver plenamente por si mesma. Ela sabe claramente que teria que ceder o tempo da sua carreira para ser mãe, porque a responsabilidade fica sempre com a mulher. É ela que tem que ceder seu corpo, lidar com o relógio biológico, e abrir mão de suas vontades para gerar e cuidar do bebê. Diferente de um pai cis, que não tem útero, a responsabilidade sempre cai no colo da mulher.
Em meio a uma gestação gemelar e complicada com inúmeros riscos, ela tem um reencontro com uma amiga da adolescência chamada Gabriela Macedo (Natália Lage), ou Gabriela Bordoada.
Gabriela é sua obstetra e auxilia nos primeiros meses de acompanhamento da gestação o que acaba gerando certo atrito no casamento de Ilana, afinal, Gabriela teve uma antiga paixão por ela, onde ela se afastou há 20 anos, por não se “sentir gay” e ter certa aversão por conta do preconceito ao seu redor, e ao que ela mesma sentia. Diante deste acontecimento, seu marido tem conhecimento de uma carta que ela escreveu há 20 anos, justificando a Gabriela o seu afastamento durante a adolescência e toda a culpa que carrega diante disso.
Vemos uma relação em que a mulher acaba constantemente cedendo às vontades do marido seja em relação a engravidar, escolhas durante o desenvolvimento dessa gestação e até a questão de um possível parto antecipado, onde ele impõe a sua frustração quando ela se diz contrária a uma antecipação do parto das bebês, sendo que elas estão no corpo dela. E a forma que ele lida com essa decisão é impondo sua insegurança e ciúmes falando que a médica influencia as decisões da mulher.
Após o nascimento das crianças por um parto prematuro e morte de uma delas, vemos Breno culpando Ilana pela morte da bebê, por ter preservado o desenvolvimento da outra, ter ouvido os conselhos de Gabriela e ter tido a coragem de tomar a decisão sobre o seu corpo. Em meio aos conflitos, é incompreendida e traída, tendo que lidar com a fissura da dor da perda de uma filha, o término de um casamento e um puerpério, este último um dos momentos mais sensíveis de uma mulher que opta pela maternidade.
Diante da situação, vemos que Gabriela acaba sendo um porto seguro para Ilana, sempre presente, dando apoio afetivo, emocional e acolhimento do individualismo dela como mãe e mulher. Visto isso, Ilana Prates acaba se descobrindo atraída fisicamente, sexualmente e afetivamente por uma mulher, reconhecendo o espaço que a Gabriela passa a ocupar na sua vida. A frustração de ter que dividir a atenção dela com outra mulher, admirar a sua naturalidade maternal com Maria (sua filha fruto da relação com o ex), assim reconhecendo o conforto que sente quando estão juntas e a necessidade de tê-la por perto, abraçá-la. A confiança, proteção e cuidados que vão além de uma simples amizade, como tem com sua prima e melhor amiga Rebeca (Andréa Beltrão).
Estamos falando de uma história sobre bancar o que sente, sobre medo, insegurança e inexperiência de uma mulher, mesmo que madura, em lidar com o amor por outra mulher, e com o caos de entender o que sente, se aceitar, afinal, é fácil compreender o outro, porque é ele que sente as dores. Entretanto, quando a descoberta é consigo mesmo, você tem noção de todo o pacote que vem junto socialmente em uma relação homoafetiva, no impacto que enfrentará dentro do conjunto social que está inserida, ao ponto de questionar se uma relação sem um homem é realmente algo saudável.
É essencial falar sobre a representação da Rebeca neste momento da Ilana, da compreensão dela, paciência, empatia e amor com a amiga, fazendo ela entender que amor é amor, que não tem nada de errado em sentir-se atraída por uma mulher, e viver o que sente genuinamente, de ter a pessoa que ama segurando sua mão e dando todo o suporte fundamental.
Pode ser bastante ameaçador, lidar com a diferença e se descobrir amando uma mulher após anos de heterossexualidade compulsória. Vemos uma pessoa em processo construtivo a novela inteira, lutando com o seu conservadorismo, moralismo, negação e diante do vitimismo de um homem que insiste em construir uma performance de excluído paternalmente, financeiramente e daí por diante.
É gratificante ver a aceitação diante do tempo e a confiança após ela expressar abertamente os seus sentimentos, parando de se encaixar dentro do padrão considerado “comum” para a sociedade e vivendo o seu amor de forma real. Como diz Gabriela Bordoada: “Bancar o que sente e é, não é uma tarefa fácil. Mas não bancar é bem mais difícil”.
Assistir tudo isso em horário nobre, uma mulher de personalidade tão forte se permitir sentir e viver uma relação independente do gênero e sexualidade é inexplicável. Acompanhar essa personagem é uma verdadeira aula para o público de amor próprio, de reconhecimento do seu valor, dos próprios preconceitos, erros e acertos.
A história de Ilana Prates é sobre uma relação de cuidado, respeito, afeto, companheirismo e responsabilidade, que são características que devem andar ao lado do amor.