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Sexualidade, religião e representatividade em “Desobediência” e “O Mau Exemplo de Cameron Post”

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Duas adaptações do cinema recente, com propostas de narrativa e de público diferentes, trazem uma semelhança. “Desobediência”, lançado no Brasil em 2018, e “O Mau Exemplo de Cameron Post”, lançado aqui no mês passado, costuram a identidade de personagens LB à questão – óbvia – de seus títulos e a entrelaçam com a complexa jornada da religião.

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Enquanto o primeiro desenha a desobediência através da relação entre duas mulheres maduras numa comunidade judaico-ortodoxa, o segundo apresenta uma jovem adolescente enviada a uma entidade cristã para corrigir sua ‘má educação’ ao ser flagrada em momento íntimo com a parceira.

Além de ambos os filmes não serem produções com finais trágicos ou mortes – não necessariamente felizes, mas não caem nas tragédias a que comumente as personagens mulheres LGBTQ+ são destinadas -, é interessante observar que os dois buscam traçar, em linguagens narrativas mais leves ou mais angustiadas, o embate, externo e interno, entre a descoberta e o entendimento da sexualidade e a questão religiosa.

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Em “Desobediência”, Ronit (Rachel Weisz) já havia rompido com a religião e partido da comunidade há anos, mas Esti (Rachel McAdams) permaneceu e cumpriu tudo o que era esperado dela – casamento heteronormativo, por exemplo. A construção do longa-metragem é uma narrativa cheia de subjetividades sobre as consequências do reencontro das duas, principalmente para Esti, a que possui mais a ‘perder’ por ter enterrado a própria sexualidade e vontade em prol de continuar inserida na religião em que cresceu e vive. As dúvidas, o receio em desligar-se do lugar em que possui raízes e da qual participa ativamente – Esti é professora das crianças da comunidade -, o questionamento à religião sem que haja uma rejeição completa, todos os sentimentos confrontados com a exaustão de suprimir os próprios desejos e a necessidade de se libertar de alguma forma.

Já em “O Mau Exemplo de Cameron Post”, a personagem é uma bela representação do campo aberto de certezas e experimentações adolescentes, sendo afetada diretamente pela ‘terapia’ por não se rotular ou entender completamente sua sexualidade e sua crença religiosa. A jornada de Cameron (Chloë Grace Moretz) acaba perpassando diferentes estados emocionais – a perda do primeiro amor, a descoberta da sexualidade, o questionamento de suas crenças, a dualidade entre tédio e medo ao participar das atividades de conversão – e tendo um ponto de destaque doloroso ao representar a pressão pela destruição de si e dos próprios desejos numa fase tão maleável de descobertas.

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Outras produções anteriores trouxeram uma representação muito mais problemática da identidade de mulheres LGBTQ+, com a tragédia sendo inevitável ao se observar o embate entre religião e sexualidade ou com os dilemas internos sendo pontuados de forma rasa e quase caricata, como “Circumstance” (2011) e “Elena Undone” (2010) – tendo finais felizes ou não. Em suas narrativas, “Desobediência” e “O Mau Exemplo de Cameron Post” conseguem estruturar a luta interna e o conjunto de complexidades emocionais e psicológicas dessa questão. E, muito embora ainda não cheguem no ideal de representatividade que precisamos ou tragam narrativas impecáveis, apresentam possibilidades menos inconsoláveis ou imperdoáveis – ainda que dolorosas – para o confronto entre sexualidade e crença religiosa.

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