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Pro Mundo (Out!) | Kena e a importância de representar e apresentar novas vivências

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Quando refletimos sobre produções audiovisuais com personagens negros, nos deparamos com papéis, em sua maioria, bastantes estereotipados ou com pouco espaço em cena. A realidade das narrativas negras LGBTQIA+ não muda de cenário, mesmo que os debates sobre representatividade estejam mais evidentes nas mídias, esses números ainda são menos do que o desejado. Kena (Samantha Mugatsia)​, protagonista do filme Rafiki“, é uma personagem de extrema relevância na tentativa de reverter esse cenário.

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“Rafiki” é um filme de origem queniana, que é contado a partir da visão de Kena, a filha de um candidato à política de Nairóbi, que se apaixona por Ziki (Sheila Munyiva), filha do candidato rival, aos poucos é mostrado a vida e as relações que a cerca. Ela se divide entre cuidar da mãe e da loja do pai. A história em si não é tão inovadora, já vimos roteiros semelhantes anteriormente, mas pelo fato de trazer a questão racial e sexual de uma forma cuidadosa, e fugindo de estereótipos fez com que o filme chamasse atenção.

A personalidade das duas são contrastantes, se de um lado Kena é uma garota mais reservada, que gosta de praticar esportes e ajudar seus pais na loja e em casa, do outro temos Ziki como o oposto usando roupas coloridas, coreografando com as amigas na rua e com cabelo marcante. Elas se conhecem justamente em uma dessas danças realizadas na escada do bairro, de início só rolou trocas de olhares. Após isso, a filha do candidato rival à protagonista, juntamente com as amigas, retiram alguns cartazes da eleição do pai de Kena da parede, que corre atrás das meninas, mas não faz nada e as deixam ir.

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A aproximação das duas só acontece quando Ziki resolve pedir desculpas para a Kena, e logo elas já vão começando a se conhecer e visitar diversos lugares, os quais puderam se aproximar, longe dos olhares curiosos de onde moravam. As cenas desses encontros foram marcadas por muita leveza e descontração, desde o início o clima de romance era perceptível. A kombi branca virou o ponto de encontro das duas, já que era afastada e reservada. Um ponto a se destacar foi o cuidado da diretora, Wanuri Kahiu, ao criar a cena de sexo entre elas, de forma delicada, sutil e muito bonita, dando destaque apenas para as trocas de carinho, sem gerar nenhum tipo de sexualização.

Kena vive em um país onde, assim como na vida real, é crime qualquer relação com pessoas do mesmo sexo. Além de sofrer ao ouvir comentários preconceituosos de pessoas muito próximas, ela teme demonstrar afetos em público, bem como na igreja que frequenta. Após serem pegas juntas, ambas sofreram violência por parte dos moradores, foram detidas pela polícia, e, além disso, a protagonista ouviu de sua mãe que sua sexualidade era culpa de demônios que a possuía, seu corpo precisava de uma “limpeza”.

Wanuri Kahiu se inspirou no conto Jambula Tree”, escrito pela autora ugandense Monica Arac de Nyeko. A história se passava originalmente na Uganda, mas a roteirista adaptou a história para Nairóbi, no Quênia. “Rafiki” fez história após ser o primeiro filme queniano a fazer parte da programação oficial do Festival de Cannes, na edição de 2018. Desde o início, a fotografia da obra com tons de rosa surpreende e embeleza ainda mais a cidade, com intuito de exaltar tanto as locações quanto os personagens. O fato de ser um filme gravado no Quênia, com atrizes e personagens quenianos mostra o quão importante é o audiovisual expandir e mostrar novas visões do continente africano, sem apelos e sem generalização da cultura.

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Apresentar uma personagem negra LGBTQIA+ como protagonista, fugindo de estereótipos negativos já conhecidos no mercado audiovisual, é extremamente necessário para gerar uma representatividade positiva, que faça o público se reconhecer através das telas, isso impacta diretamente em como os espectadores passam a se enxergar no mundo. Além disso, é importante propagar narrativas plurais, além das quais já são conhecidas. Acompanhar uma história de amor e resistência ressaltando um novo olhar e experiência faz com que o público se sinta mais próximo, representado e visto.

Samantha​ Mugatsia, interpretando Kena em “Rafiki”, realizou um trabalho fantástico de representatividade, levando ao cinema uma história que gerou bastante identificação. Criar narrativas LGBTQIA+ negras é tentar reverter um cenário audiovisual majoritariamente branco e estereotipado. O final da obra fica um pouco em aberto, mas descobrimos que Kena consegue finalmente realizar seu desejo de quando ainda estava saindo do colegial, se tornar médica.

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