“Milhas de distância” é o primeiro livro da autora A. B. Rutledge, publicado pela editora Hoo, em 2018. A história gira em torno de Miles, um adolescente tímido e introvertido, que por três anos esteve em um relacionamento sério com Vivian, uma menina trans. Porém, há um ano e meio, a jovem está em coma, devido a uma tentativa de suicídio. Sendo assim, o livro é contado através de mensagens instantâneas para ela.
Miles, criado por duas mães (Mamãe e Mamushka), não gosta de rótulos e dessa forma se intitula como uma pessoa queer, apesar de no início se declarar como pansexual. O relacionamento de tanto tempo com Vivian o fez muitas vezes se esconder atrás do sucesso dela, sempre o deixando atrás dos holofotes. Ela, por sua vez, sempre foi uma pessoa talentosa, tendo criado um site chamado Mixtape, em que facilitou a aproximação dos dois personagens. Vivian saiu de casa jovem devido à falta de compreensão de seus pais quanto ao seu gênero e sexualidade tendo que se tornar independente cedo demais.
Sozinho e perdido, o adolescente não está sabendo lidar com a ausência da mesma e não consegue viver o luto. Ao se sentir culpado por ter abandonado o processo judicial que iniciou ao lado da “Mamãe” referente aos direitos das pessoas trans e o nome que realmente deveria estar nos seus registros, ele sai com apenas uma passagem de ida para Islândia. Dessa forma, Miles busca fugir de todo esse turbilhão de sentimentos e precisa se reencontrar em sua nova realidade.
Apesar do livro ser narrado por ele e o ter como foco principal, a presença constante de Vivian é essencial na história para trazer uma discussão acerca das dificuldades da vida de uma mulher trans. O preconceito, o medo, a disforia e dismorfia corporal são dores exploradas na obra, que às vezes, se torna muito difícil de suportar, ouvir, aceitar e respeitar.
Outro aspecto importante tratado é a fluidez de Miles, e o embaraço das pessoas em entender a sexualidade alheia, mesmo aquelas que estão no nosso convívio e trabalham com isso, como é o caso da “Mamãe”, que é psicóloga e em uma parte afirma ter achado que seu filho passou por uma “fase” em relação a sua identidade de gênero e sexualidade. (Para deixar claro, não tem relação alguma com a relação de Miles com Vivian, sendo que as mães dele o apoiavam totalmente)
A autora ainda revela um outro tema relevante, ao contar sobre Óskar, um jovem de 20 anos que desde os 14 anos namora um cara bem mais velho. O tema do relacionamento abusivo, interdependência financeira e afetiva são situações complicadas que muitos adolescentes passam e acreditam se tratar de uma coisa natural, quando na verdade não é nada disso. As pessoas se anulam, se escondem e perdem suas próprias identidades em prol do outro e isso não deve ser entendido como algo correto, pois isso pode gerar muitos problemas psicológicos.
De modo geral, o livro avança em questões de gênero e sexualidade de forma exemplar, e finaliza a história mostrando que a felicidade individual é muito mais importante que aquela em conjunto, até porque, como você vai ser feliz em um relacionamento se não consegue ser feliz sozinho? O mundo está aí para ser explorado, e a história de Miles está completamente fora dos padrões, ele te mostra o que é amor, a perda e o luto, e principalmente o valor da autodescoberta.