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Crítica | Rua do Medo: 1666 – a coroação de uma trilogia de terror

“Rua do Medo: 1666 – Parte 3”, volta ao passado distante de Shadyside, na época em que se chamava Union, para mostrar a origem da lenda da bruxa Sarah Fier e sua maldição sobre a cidade.

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“Se eles querem uma bruxa, eu vou lhes dar uma bruxa.”

Rua do Medo: 1666 – Parte 3”, a terceira e última parte da trilogia “Rua do Medo” (“Fear Street”), acaba de chegar à Netflix para alegria e tristeza dos fãs, que tem nele o último gostinho dessa obra.

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O filme faz parte da trilogia adaptada da série de livros infanto-juvenis criados pelo escritor estadunidense R.L. Stine nos anos 1990 chamada “Rua do Medo”. A obra conta histórias macabras que acontecem na pequena cidade de Shadyside, que foi amaldiçoada pela bruxa Sarah Fier há três séculos. A adaptação conta com a direção da já experiente no mundo do terror, Leigh Janiak, que também dirigiu “Honeymoon” (2014).

“Rua do Medo: 1666 – Parte 3”, volta ao passado distante de Shadyside, na época em que se chamava Union, para mostrar a origem da lenda da bruxa Sarah Fier e sua maldição sobre a cidade. No fim do segundo filme, Deena (Kiana Madeira) se conecta com os restos da bruxa, que mostra para ela o que realmente aconteceu e assim testemunhamos a verdadeira história de Sarah, a cruel bruxa do século 17.

Já nas primeiras cenas a narrativa coloca uma pulga atrás da orelha dos espectadores, pois Sarah Fier (Kiana Madeira), ao contrário do que diz a lenda, não é má e perversa, mas sim uma jovem bondosa, simpática e muito comum. A tensão não demora muito para se instalar na pequena cidade de Union, pois durante uma festa no bosque, um jovem tenta beijar Hannah (Olivia Welch) que o nega, ferindo seu orgulho. Nessa noite, Sarah e Hannah têm um encontro na floresta mas são flagradas por Thomas (McCabe Slye) que conta para todos o que presenciou. Pouco tempo depois eventos sinistros começam a acontecer na cidadezinha, alimentos que apodrecem rapidamente, animais que matam e morrem violentamente, e pessoas cometem assassinatos com requintes de crueldade nunca antes vista no local, e os cidadãos começam a acreditar que o diabo chegou à Union. E ao buscar um culpado, se viram para as jovens que trouxeram o mal à cidade com seus atos impuros e perversos, que são então acusadas de bruxaria.

Enquanto os longas-metragens anteriores buscavam suas referências na filmografia da época que retratavam, os anos 1990 e 1970, “Rua do Medo: 1666” não tem esse tipo de referência à qual buscar, ainda assim é possível ver uma forte semelhança com o filme “A Bruxa” (2015) de Robert Eggers, na paleta de cores neutra e na sobriedade do ambiente e dos atores. Mas é preciso apontar que, enquanto o roteiro retrata bem a época, os costumes, e as discussões da razão versus a superstição, o figurino e a maquiagem deixam muito a desejar, principalmente no que concerne os cabelos, pois os homens muitas vezes usam perucas, para simularem as madeixas longas da época, porém as perucas são muito óbvias, o que quebra um pouco o encanto de se ver uma produção histórica, assim como algumas atrizes possuem cortes de cabelo modernos para a época.

Em relação ao roteiro, é interessante a forma como ele é trabalhado, um tanto original, visto que a terceira parte não acaba em 1666, mas pouco depois da metade do filme, quando já sabemos a verdade sobre o que houve com Sarah Fier, somos transportados de volta aos anos 1990, e nos deparamos novamente com tudo o que ele envolve, o shopping, os carros, e principalmente o humor. À isso se somam algumas referências dos anos 1970 também, pois Ziggy (Gillian Jacobs) também está lá para acompanhar Deena e seus amigos rumo à destruição da maldição que foi jogada sobre Shadyside. Aqui as três partes se unem magistralmente, pois a árvore na qual a bruxa foi enforcada no século 17, onde seu túmulo foi buscado no acampamento, em 1978, agora está dentro do shopping. Além disso, no terceiro filme os atores dos dois primeiros estão todos reunidos. Há também, neste momento, breves momentos onde são feitas críticas ao tratamento dispensado pela polícia aos negros e quão diferente é o comportamento deles e dos brancos frente à autoridade policial, em razão de séculos de opressão.

Uma das partes mais esperadas, imagino, pelas leitoras do site que vos fala é: ok, mas em “Rua do Medo: 1666” vai ter algum plot sáfico? E para alegria de todas a resposta é: sim!

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Já no início, quando Sarah e Hannah dividem cena pela primeira vez percebemos um olhar mais demorado, sentimos uma certa tensão no ar e pensamos: será que estou ficando doida ou elas se gostam? Para felicidade geral não é só impressão, já que logo se confirma quando o casal se beija às escondidas durante uma festa. Porém, se já é difícil ser um casal lésbico nos anos 1990, no século 17 a dor de cabeça é muito maior.

Em um mundo controlado pela religião, que condena homossexuais, qualquer comportamento do tipo é considerado pecado, e um pecado que trará desgraças à quem o fizer. Esse pensamento passa pela sociedade e até mesmo pela mente do casal, que se pergunta se as coisas ruins, que estão acontecendo na pequena cidade, não são um castigo por seu comportamento desviante. O que dá uma pontada de tristeza nas espectadoras.

Se na parte dois de “Rua do Medo” não houve um plot sáfico, para “Rua do Medo: 1666” o amor entre mulheres e o preconceito da sociedade acerca disso, é o tema central, pois vemos como as pessoas julgam, a mãe de Hannah quer afastar o casal, o pai de Sarah acha que ela gosta de mulheres por ter sido criada com liberdade demais, como um homem, e portanto seu amor por mulheres seria culpa dele. E para os religiosos e bêbados descreditados da cidade, duas mulheres que têm tal comportamento desviante atraíram o mal para o local.

Aqui vemos também como a palavra mentirosa de um homem com ego ferido, naquela época (não muito diferente de hoje), vale mais do que a verdade de uma mulher. Quando o pastor da cidade começa a ter comportamentos sinistros, a cidade se une para procurar um culpado por aquilo e o jovem que assediou Hannah, resolve aproveitar esse momento para se vingar, e acusa as jovens de serem bruxas que se deitam com o diabo, e assim todos os outros homens replicam essa mentira até que ambas sejam formalmente acusadas de bruxaria e condenadas à morte. Pois em 1666, a misoginia e a homofobia se somam à superstição, à religiosidade e ao desejo de vingança, que se sobrepõem à razão.

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“Rua do Medo: 1666 – Parte 3” é mais do que um filme de terror, com bruxas e assassinos, é uma história de sacrifícios feitos por amor, de ganância, e de como o afeto entre mulheres é visto como uma ameaça pelos homens e pela sociedade de ontem e hoje. A terceira parte de “Rua do Medo” coroa essa trilogia que foi um presente maravilhoso da Netflix e de R.L. Stine aos amantes do terror, das bruxas, e do amor entre mulheres.

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