“Eu Nunca…” (Never Have I Ever) retornou para sua segunda temporada na Netflix, produção essa que teve sua primeira parte espetacular devido a sua linguagem jovem, certeira e divertida do começo ao fim. Entretanto, este ano, o roteiro parece ter se perdido e infelizmente, não entregou tanto quanto se esperava, principalmente no que diz respeito ao casal Fabiola (Lee Rodriguez) e Eve (Christina Kartchner).
A história, narrada pelo tenista John McEnroe (interpretado pelo mesmo) e inspirada na vida da co-criadora Mindy Kaling (“The Mindy Project”), acompanha Devi (Maitreyi Ramakrishnan), uma adolescente de origem indiana vivendo nos Estados Unidos. Na temporada passada, observamos a garota viver o luto de ter perdido o pai, sua relação conturbada com sua mãe, seus dramas amorosos e claro, suas tentativas em se tornar popular.
(Contêm Spoilers)
Se, em sua primeira temporada, a série abordou a personagem principal dividida entre dois adolescentes: Ben (Jaren Lewison), o nerd, e Paxton (Darren Barnet), o popular, a segunda foi muito além, o que tornou o narrativa desgastante, quando poderia ter focado em plots muito mais interessante. Ao saber que sua mãe pretende se mudar para Índia, como objetivo de ficar mais próxima da sua família e ter um apoio emocional maior, Devi é instigada por uma de suas melhores amigas a namorar os dois garotos ao mesmo tempo, já que ela é “invisível” no colégio e claro, se for ou quando for descoberta, estaria muito longe do país para lidar com as consequências. O que ela não esperava é que, quando foi descoberta pelos namorados, sua mãe desistiu da mudança, tornando tudo um caos.
A verdade é que, mesmo que seja completamente aceitável uma atitude burra por parte de uma adolescente com os hormônios à flor da pele, o drama com os dois garotos se estende por muito tempo, o que não abre espaço para novos assuntos relacionados a vida da personagem, como o fato da garota ainda não ter superado a morte do pai, não conseguir se resolver emocionalmente com sua mãe e ainda viver fazendo besteiras no que diz respeito as suas amizades. Este ponto é muito importante, porque este ano, “Eu Nunca…”, apresentou uma nova personagem de origem indiana que poderia facilmente ter mais espaço de tela e ser mais explorada.
Já nos primeiros episódios da temporada, Anessa (Megan Suri) ingressa na produção com seu charme e inteligência, o que obviamente abala a autoestima de Devi. Vale ressaltar que, tudo não passa de uma rivalidade feminina desnecessária por parte da protagonista e não devemos deixar de perceber que a personagem de Suri, com suas falas certeiras e amigáveis, tinha tudo para se tornar muito mais do que uma mera competição para Devi. Além de que, a série poderia ter explorado mais a questão do transtorno alimentar da garota, mesmo que de forma mais “leve”, já que “Eu Nunca…” se trata de uma comédia.
Outro ponto que deixa a desejar é o arco de Fabiola e Eve. No início, temos um desenvolvimento divertido, quando Fabiola tenta se afastar um pouco da “caixa” nerd em que vive, para entender um pouco mais do mundo sáfico, o que traz boas risadas ao público quando a mesma se perde em várias referências da cultura pop. Entretanto, a história da garota se perde, quando primeiro, ela “desaparece” por alguns capítulos e depois retorna com sua namorada e o desejo de mudar o mundo patriarcal ao se candidatarem para serem “Rainha e Rainha Grilo” do Baile de Inverno.
A ideia em questão, de serem “Rainhas”, poderia ter sido mais bem trabalhada se as personagens tivessem mais tempo de tela. O fato de Fabiola ter deixado de fazer as coisas que gosta para se candidatar e agradar as pessoas que a estavam ajudando a se eleger, mudando seu modo de vestir, participando de coisas que não gostaria, torna toda a experiência da personagem frustrante. O relacionamento de Fabiola e Eve, apesar de ser extremamente fofo, apresenta nuances contraditórias. Ao mesmo tempo que você ama o casal e torce por elas, a narrativa não colabora quando não conseguimos vê-las conversando direito nem por dois segundos em tela. Mas é “ok”, aos 45 do segundo tempo, torná-las rainhas para mostrar que é uma produção representativa no quesito sexualidade também.
É perceptível, que a segunda temporada de “Eu Nunca…”, tentou ser representativa em muitos quesitos, ao mesmo tempo que não quis perder o humor, porém, deve-se levar em consideração que se você não consegue tratar tantos temas de forma saudável e aceitável, por favor, não tente. Temas como transtorno alimentar, luto, dominação masculina no trabalho, relacionamento tóxico, entre outros, são assuntos que devem ser abordados com cautela, mesmo que seja uma produção de comédia e principalmente por se tratar de uma série voltada para o público teen.
Ao se tratar de narrativa, a única história que salva neste segundo ano, é o da prima da protagonista, Kamala (Richa Morjanni), que conseguiu representar perfeitamente sua luta pela independência e quebra das tradições indianas. Além disso, vale destacar que a atriz que interpreta Devi, apesar de ter tido um arco repetitivo e cansativo, continua sendo o verdadeiro charme da produção, com seu carisma e talento para comédia.